O papel da edição de livros tem sido, muitas vezes, relegado ao esquecimento, principalmente quando se trata de refletir sobre a criação e consolidação de campos de conhecimento. A marca do Z: a vida e os tempos do editor Jorge Zahar, biografia escrita pelo jornalista Paulo Roberto Pires como marco na comemoração dos sessenta anos da editora Zahar, apresenta elementos suficientes para demonstrar, com base em fontes documentais e preciosos registros editoriais, como esta é uma concepção equivocada. Tendo publicado seu primeiro livro em 1957, Jorge Zahar deixou uma marca inequívoca nas ciências sociais brasileiras, além de significativas contribuições aos universos da psicanálise, música, arte, história e filosofia.
O início de A marca do Z deixa claro o seu tom celebratório: ao narrar a homenagem feita a Jorge Zahar na Livraria Argumento, no bairro carioca do Leblon, uma semana depois da sua morte, ocorrida em junho 1998, apresenta um editor já consagrado, prestigiado por poetas, professores, editores, o adido do consulado francês, dentre outras personalidades que compareceram ao evento. A ocasião da despedida não esconde, entretanto, a trajetória acidentada que a precedeu. Filho de pai libanês e mãe francesa, Jorge nasceu em 1920, nos arredores da cidade de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, quase seis anos depois do primogênito Ernesto. A mudança definitiva da família para a então capital federal em 1936, já em companhia dos irmãos mais novos Lucien e Margot, desfalcados do pai que ficara em Vitória, no Espírito Santo, marcaria o início de uma trajetória árida, porém exitosa.
Jorge trabalhou com distribuição de panfletos, vendeu amendoim torrado, fantasias de carnaval nos trens da periferia do Rio de Janeiro e realizou diversas outras atividades informais até que aos vinte anos, a convite do seu irmão mais velho, foi trabalhar em uma empresa de livros técnicos. O momento era de efervescência na vida cultural do centro da capital federal com diversas livrarias e cafés onde se encontravam membros da elite e intelectuais. Os irmãos Zahar iriam herdar o negócio que seria rebatizado de Livrarias Editoras Reunidas. Mudando-se para um espaço mais amplo na rua México, próximo à Faculdade Nacional de Filosofia — atual Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro —, que se firmara como referência para as ciências sociais e humanas num momento de expansão universitária no Brasil, a livraria Ler, como era conhecida, passou a atrair professores e jovens alunos ávidos pelas novidades editoriais.
Catálogo fundamental
A atividade livreira se mostrou essencial para a decisão de abrir, no final de 1956 — ano de posse do presidente Juscelino Kubitschek e no embalo das políticas de modernização e industrialização do país —, a editora que levaria o nome da família, fruto de um período em que mediava as demandas de leitura de alunos e professores e as novidades do mercado editorial. Publicado no ano seguinte, Manual de sociologia, de Jay Romney e Joseph Maier, marcou o início de um catálogo que viria a ser fundamental no panorama intelectual brasileiro das décadas subsequentes. O slogan “A cultura a serviço do progresso social”, que passou a estampar as capas dos livros, sintetizava não apenas uma carta de princípios, mas o sentimento de toda uma geração que, embalada pelo pensamento progressista em voga, iria encontrar nas publicações da editora um suporte na luta contra o governo autoritário instaurado pelo golpe de 1964. Assumindo um tom mais cuidadoso que seu amigo Ênio Silveira, dono da Civilização Brasileira, embora não resignado, a Zahar Editores disponibilizou obras que foram balizadoras de intensos debates políticos e de uma formação universitária consistente.
Grande parte dos primeiros livros publicados pela Zahar esteve organizada na coleção Biblioteca de Ciências Sociais, que viria a agregar, além do livro inaugural, textos de diversos autores que passariam a ser referência para os jovens estudantes. Aos autores estrangeiros, tais como Wright Mills, Erich Fromm, Karl Marx, Mannheim, Marcuse e Max Weber, viriam a se somar brasileiros como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Maria da Conceição Tavares, Roberto Da Matta, Gilberto Velho e tantos outros.
Tendo finalizado a sociedade com os irmãos em 1973, Jorge Zahar esteve associado à editora Guanabara por pouco mais de dez anos quando, aos 65 anos, vendeu as ações que ainda possuía e deu início, junto a seus filhos Jorginho e Ana Cristina, a um novo projeto editorial, cujo catálogo daria continuidade a famosa editora, abrindo espaço também para a publicação de literatura clássica e infantil, numa adaptação à nova realidade editorial do país.
Assumindo uma atitude inovadora ao focar o público universitário e deixar de lado os livros de literatura, até então o carro-chefe de grande parte das editoras brasileiras, a Zahar Editores respondeu a uma demanda crescente por textos de sociologia, economia, ciência política e antropologia, num momento em que as ciências sociais no Brasil e em outros países da América Latina passavam por um período de expansão, consolidando-se como referência fundamental nos debates políticos e intelectuais. O livro de Paulo Roberto Pires tem o mérito de unir uma leitura agradável a um extenso material de pesquisa que confirma a importância de Jorge Zahar para a consolidação das ciências sociais e humanas no Brasil da segunda metade do século 20, trazendo ao centro da atenção a figura do editor, tantas vezes invisibilizada, mas imprescindível para a cultura nacional.