O eterno óbvio

Considerado o precursor da dramaturgia brasileira, Nelson Rodrigues ainda causa muita polêmica e admiração em toda crítica literária
Nelson Rodrigues, autor de “O beijo no asfalto”
01/09/2000

Considerado o precursor da dramaturgia brasileira, Nelson Rodrigues ainda causa muita polêmica e admiração em toda crítica literária. Crítico ácido, escrevia de forma compulsiva e intuitiva, cada palavra que usava refletia como um espelho a imperfeição humana, tinha a virtude divina da dramaturgia. Transfere em seus personagens todas as monstruosidades delegadas ao plano inconsciente de cada um, é um escritor psicológico, trágico e realista, recria com acuidade e crueza um quotidiano pequeno burguês e carioca, através do qual o moralista expõe a natureza humana, com raro domínio do trágico e do grotesco. Contraditório e paradoxal, dizia-se conservador, não hesitou em mostrar os podres sociais e humanos com suas neuroses, psicopatias e taras. Escreveu nove romances, a maioria sob o pseudônimo Suzana Flag e 17 peças de teatro, também escreveu crônicas e contos. Em toda sua obra, dizia não ter conseguido outro mérito senão ter consagrado o óbvio. Sabia como ninguém mergulhar na atmosfera psíquica de cada personagem com uma linguagem precisa.

Teve várias de suas peças censuradas. Álbum de Família ficou proibida por 17 anos por falar de incesto. O autor se defende dizendo que sua obra é para ser ensinada na escola por ser educativa, e ironiza que a Bíblia também deveria ser censurada por conter inúmeros incestos. Nelson Rodrigues tinha muitos inimigos na crítica, seu discurso permitia muita polêmica e injúrias. O prazer da obra rodrigueana reside justamente aí: não escrevia senão para chocar, provocar a catarse do leitor, em algumas crônicas de mais conflito recomenda-se ler Burro nasce que nem capim, Toda mulher gosta de apanhar, O Sexo é satisfação impossível, É preciso trair para não ser traído. Outro grande traço de sua obra é mesmo que aconteça toda desgraça e terror possível em suas peças, verifica-se a ânsia de perpetuar o divino. Ele mantém vivo o embrião da pureza, do sagrado, “…a ficção para ser purificadora deve ser atroz. O personagem é vil para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós…E no teatro que é mais plástico, direto e de um impacto tão mais puro esse fenômeno de transferência torna-se válido. Para salvar a platéia é preciso encher o palco de assassinos, de adúlteros e de insanos, em suma, de uma rajada de monstros. São os nossos monstros íntimos dos quais eventualmente nos libertamos para em seguida recriá-los em cena…”

Segundo o crítico Sábato Magaldi, grande parte da inspiração de Nelson Rodrigues vem do Evangelho, duas mulheres em torno de  um mesmo homem, a santa mãe e a puta convertida, enfim são sempre duas mulheres disputando o mesmo homem, são elementos psicanalíticos e poéticos da obra rodrigueana que aparecem em todas as 17 peças que escreveu. Sua técnica teatral revela muitas inovações, o diálogo é direto sem literatismos ou figuras de linguagem desnecessárias, o ritmo é ágil e as cenas são curtas e altamente psicológicas, é dividido em 3 atos como manda a tradição, a diferença é a dinâmica dos acontecimentos que são cuidadosamente relacionado a cada personagem.

O leitor encontrará em seus contos e crônicas mais um universo de talento  e criatividade, frases de impacto como “idiota de objetividade”, “freira de minissaia”, estão eternizadas em suas crônicas. Torcedor fanático pelo Fluminense, escreveu um dia “…o Fluminense nasceu com a vocação da eternidade…Tudo é Fla-Flu, o resto é paisagem”.

Para terminar este texto sobre o maior dramaturgo brasileiro fica uma frase que o próprio Nelson deixou a respeito de sua obra: “Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa, nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é realmente, a minha ótica ficcionista. Sou e sempre fui um anjo pornográfico”.

Juarez R.
Rascunho