O deus devasso

Globo inicia a reedição, em três volumes, da obra completa do poeta Roberto Piva
Roberto Piva: sempre à margem.
01/12/2005

Entrar no universo da poesia de Roberto Piva representa uma viagem ao poema que se alucina com as próprias palavras no que elas contêm de magia. Sempre foi assim. Desde o tempo da Antologia dos novíssimos, de 1961, lançada em São Paulo pelo editor Massao Ohno, que reunia os então jovens poetas — alguns adolescentes — da que hoje se chama Geração 60 de Poetas de São Paulo. Dessa geração, Roberto Piva é um poeta eloqüente, voz expoente de um grupo que já nos anos 60 soava com o timbre da poesia levada às últimas conseqüências.

A poesia de Roberto Piva foi sempre acompanhada, ao longo dos anos, por manifestos que assinava revelando uma postura que, longe das palavras às vezes agressivas outras veementes, revelava — e ainda revela — a condição do homem e, especialmente da poesia diante dos entraves de um mundo visto por meio da loucura e quem sabe também por meio da beleza.

Não se sabe ao certo se Roberto Piva é mesmo da Geração 60 de Poetas de São Paulo enquanto grupo. Pouco fala sobre o assunto. Não que haja desinteresse nisso, mas porque, por certo, trata-se de tema enfadonho que não leva a nada. No máximo, faz pequenos comentários de poucas palavras: “Era um grupo de jovens que tinham coisas afins, uns mais, outros menos”.

É quase certo que nada mais tenha a acrescentar. No que está correto. Até porque não há certeza ainda de que tal geração exista de fato. Deve ser apenas uma ficção. Existe até uma antologia dos poetas dos anos 60 de São Paulo. Até um filminho já foi feito a esse respeito. Essas coisas existem muito no discurso, mas na prática a teoria é outra. A questão está em ser sério ou não. Mas seriedade é coisa rara. Honestidade também. No final, está tudo coerente com tudo.

Roberto Piva não escreveu muito. Sua produção não é extensa: Paranóia (1963), Piazzas (1964), Abra os olhos & diga Ah! (1975), Coxas (1979), 20 poemas com brócoli (1981), Quizumba (1983) e Ciclones (1997).

No início dos anos 70, numa longa pausa na poesia, foi produzir shows de rock na periferia da cidade de São Paulo, lançando várias bandas. Numa entrevista para o crítico de música Ezequiel Neves, publicada na revista Rolling Stone, em 1972, Piva discorreu sobre essa experiência, dizendo que ia de bairro em bairro e, pela vibração, descobria os hambúrgueres, os botecos, as sinucas onde a garotada se juntava: “Chegando a esses bares eu sigo o princípio de Platão, escolho o garoto mais bonito, entrego os lembretes impressos do show e digo: você tem de levar todo mundo ao meu show. Aí consigo o que nenhum veículo de comunicação de massa vai conseguir: o toque pessoal da comunicação, aquilo que Charles Fourier chamou de ‘autoridade da atração’”.

Tornou-se famosa a autobiografia que escreveu reproduzida numa antologia poética lançada pela L&PM, de Porto Alegre, em 1985:

Nasci na maternidade Pré-Matre, no coração de São Paulo […] Piva é um antigo nome do Veneto (Itália do Norte). Meu avô era de Saleto, perto de Rovigo. O Livro de Família que tinha lá em casa conta a história de um antepassado cavaleiro que combateu nas Cruzadas. Como o avô Cacciaguida de Dante. Só que ao voltar das Cruzadas virou herético & começou a pregar a favor do Demônio. Por ordem do bispo local, foi queimado na praça pública com armadura & tudo. No momento, deve estar passando uma temporada na IX Bolgia do Inferno de Dante. Local destinado aos semeadores de discórdia. Os filhos fugiram da cidade e a descendência continuou.

Nessa biografia, espécie de chave reveladora de sua obra e sua vida, Piva explica que em matéria de revolta não precisa de antepassados:

A minha vida & poesia têm sido uma permanente insurreição contra todas as Ordens. Sou uma sensibilidade antiautoritária atuante. Prisões, desemprego permanente, epifanias, estudos das línguas, LSD, cogumelos sagrados, embalos, jazz, rock, paixões, delírios & todos os boys. O cinema holandês informará.

O passar dos anos moldou um poeta completo, nascido em 1937, que nos anos 60 assumiu a postura de poeta rebelde na linha da geração beat. Um erudito. Estudioso da fauna e da flora brasileiras e iniciado no xamanismo. Dessas vertentes — já disse — extrai sua inspiração poética.

Ainda dessa biografia, tornou-se seu retrato perfeito a declaração de que só acredita em poeta experimental que tenha vida experimental. Dizia e diz ainda não ter nenhum patrono no “posto”, nem leões-de-chácara e guarda-costas literários nas redações de jornais e revistas: “Nada mais provinciano do que os clubinhos fechados da poesia brasileira, com seus autores-burocratas tentando restaurar a Ordem & cagando Regras que o futurismo, dadaísmo, surrealismo & modernismo já se encarregaram de destruir”.

Aos que chamava de neo-zhdanovistas de todos os matizes, Piva lembrou uma passagem do manifesto redigido por André Breton e Leon Trotsky:

Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a toda sujeição, não se deixe impor filiação sob nenhum pretexto. Àqueles que nos pressionam, hoje ou amanhã, para que consintamos que a arte seja submetida a uma disciplina que sustentamos radicalmente incompatível com seus meios, opomos uma recusa inapelável, e nossa deliberada vontade de nos manter no lema: todas as licenças em arte.

Dizia ainda que fechava com John Cage e não abria: “Sou pela multiplicidade, a atenção dispersa e a descentralização, e portanto me situo ao lado do anarquismo individualista”. Ou Jean Dubuffet: “O uníssono é uma música miserável”. Utilizando a primeira pessoa do plural, sustentava que “precisamos de criações desprovidas de regras & convenções paralisantes”.

Essa introdução se faz necessária para registrar a iniciativa da Editora Globo, que decidiu reeditar toda a obra de Roberto Piva, esse poeta admirável que sempre correu pela margem e se fez marginal e marginalizado dentro da própria poesia brasileira, feita de tantas enganações e vaidades lamentáveis. A organização da obra reunida de Piva está sendo feita pelo professor de Teoria Literária da Unicamp Alcir Pécora. O primeiro volume, Um estrangeiro na legião, reúne os textos dos anos 60, a começar pela Ode a Fernando Pessoa, Paranóia e Piazzas, incluindo, também, os primeiros manifestos de Os que viram a carcaça: “A nossa batalha foi iniciada por Nero e se inspira nas palavras moribundas: ‘Como são lindos os olhos deste idiota’. Só a desordem nos une. Ceticamente, Barbaramente, Sexualmente. A nossa Catedral está impregnada do grande espetáculo do Desastre”.

Alcir Pécora observa, com razão, que a literatura de Roberto Piva leva a sério, mais do que qualquer outra coisa, o poder da própria literatura. É a literatura embebida em literatura, que respira literatura, que fala o tempo todo de literatura — diz ele. Assinala que nesse primeiro volume predomina, mas sem hegemonia, a linhagem maldita do romantismo, o que — de acordo com Pécora — ajuda a esclarecer o fato de que, quando o aspecto laico da profanação é mais evidente, a literatura já se insinue como limiar do sagrado. Alcir salienta que, assim, “o caminho da transgressão significa supor que a literatura é, por excelência, o lugar onde ainda se sustenta e respira uma potência resistente à institucionalização da vida”.

Roberto Piva sempre defendeu que a poesia é um salto no escuro, como o amor: “Por isso, meus leitores preferidos são os heréticos de todas as escolas & e os transgressores de todas as leis morais & sociais”.

Há um frase de Piva que incomodou e ainda incomoda as majestades de sempre: “Como não sou intelectual de esquerda, estou sempre às voltas com o problema da grana”.

É desconcertante ao dizer:

Pasolini começou a contagem regressiva do nosso planeta a partir do desaparecimento dos vagalumes na Itália. Eu poderia começar a mesma contagem regressiva a partir do desconhecimento & desaparecimento da abelha Jataí no Brasil. Acredito que, para a defesa do nosso planeta, as melhores idéias, como disse Edgar Morin, são as idéias ‘biodegradáveis’. Uma tarde, numa ilha esquecida no litoral sul de São Paulo, um garoto com olhos de Afrodite me perguntou no que eu acreditava. Respondi: Amor, Poesia & Liberdade. E nos Óvnis também.

No ensaio O começo da busca — O surrealismo na poesia da América Latina (Escrituras, 2001), o poeta Floriano Martins escreveu sobre Roberto Piva, observando que “tomado por um humanismo radical, não raro confundido com perversão inconseqüente, a aposta de Roberto Piva foi a do rompimento com um positivismo exacerbado que tem causado profundos males ao desdobramento de toda uma cultura no Brasil”. Floriano afirma que “em meio a uma geração derrotada pelo devaneio (o flower power que fez morada em uma preguiça mental) e o arrivismo (os idólatras do poder), a poesia de Roberto Piva acabou sendo desdenhada pelo panteão literário, justamente pela permanência do frescor, da inquietude, de um animismo incompreendido entre nós até hoje”. Floriano Martins lembra palavras de Piva para melhor situar a questão: “…não fico vivendo que nem um anarquista clássico, o anarquismo de sindicato”.

Carlos Felipe Moisés e João Silvério Trevisan escreveram os melhores, mais valiosos e competentes ensaios sobre Piva até hoje. Respectivamente Vida experimental (em O desconcerto do mundo, Escrituras, 2001) e A arte de transgredir — Uma introdução a Roberto Piva (Agulha 38). Trevisan afirma que a genealogia poética de Piva apresenta raízes e inclui influências muitos raras na literatura brasileira, formando uma mistura fina que é a única por sua erudição, mas também por sua transgressão. Trevisan lembra que isso começa com Dante Alighieri, esclarecendo que ainda na década de 60, por três anos Piva aprofundou-se nos estudos da Divina comédia, orientado por Eduardo Bizarri, então adido cultural do Consulado da Itália em São Paulo. Esse contato com Dante — lembra Trevisan — foi como seu imprinting poético-filosófico: marcou para sempre sua visão de mundo, sua política e sua poesia. Ao conhecer os poetas metafísicos ingleses, sobretudo William Blake, Piva começou a aprofundar sua experiência mais direta com o sagrado e a vida interior — acentua João Silvério Trevisan.

E mais: salienta que as constantes caminhadas xamânicas de Piva pela represa de Mairiporã e pela Serra da Cantareira, nos arredores de São Paulo, além de Jarinu, no interior do Estado, selaram sua ligação sagrada com a natureza:

Essa sacralidade é, para Piva, a única salvação possível ao mundo moderno, que colocou a destruição da natureza como parte do seu projeto consumista. No quadro da recuperação do sagrado e do mágico, enquanto forças da natureza, Piva passou a estudar e praticar o xamanismo. Para aprender o culto ao primitivo e às forças da natureza, foi buscar elementos não apenas em teóricos como Mircea Eliade, mas sobretudo nas culturas indígenas brasileiras e na prática do candomblé. Ele não só cultua seus orixás (Xangô, Yemanjá e Oxum) mas também toca tambor para invocar seu animal xamânico, o gavião.

João Silvério Trevisan continua:

Paralelamente a essa trajetória em direção ao sagrado, Piva agregou dois elementos ligados à civilização grega. Um: a ingestão de drogas alucinógenas e bebidas libatórias, como formas de atualizar a tradição dionisíaca e a transgressão sagrada do paganismo. Dois: o culto a uma erótica homossexual, resgatando para a modernidade o amor grego, como um componente de transgressão do desejo.

Carlos Felipe Moisés, por seu lado, observa que “a poesia de Roberto Piva não obedece a aspirações meramente literárias, mas implica um projeto de vida: vida experimental”. Esclarece que, quanto a isso, o rumo perseguido por Piva é o mesmo de Rimbaud: “Il faut changer la vie”, é preciso mudar a vida. Carlos Felipe observa:

Não se trata de ousar apenas em termos estéticos; não se trata de romper só com a tradição e a convenção literárias. Trata-se de usar a poesia como ponte de acesso à “verdadeira vida” (outra vez Rimbaud), como estágio preparatório ao advento do homem verdadeiramente humano, que, graças à persistência dos poetas e iluminados, deve nascer da desoladora desumanização que se abateu sobre todas a criaturas desde… Bem, já que adentramos território nietzschiano, Piva lembraria que, para Nietzsche, a desumanização começou a se alastrar a partir do advento do cristianismo.

Para Carlos Felipe Moisés, “a lembrança de Nietzsche e da Grécia talvez aponte para o que seria a forma ideal de circulação para uma poesia como a de Roberto Piva: um dos festivais anuais, dedicados a Dionísio, em que o poeta, coro, músicos, dançarinos e público se entregavam durante horas, às vezes dias, à celebração coletiva da vida plena, ao prazer irrestrito, à liberdade sem barreiras — corpos, almas e espíritos irmanados no transe comum”.

Carlos Felipe acentua:

Para continuar sonhando com a celebração da vida plena, o poeta precisa minar pela base todos os obstáculos, sobretudo os morais e religiosos que se lhe contrapõem. A utopia exige que cada um de seus versos se transforme num coquetel molotov de uma guerrilha sem tréguas, contra os valores estabelecidos.

Está quase tudo num manifesto de Piva, escrito em fevereiro de 1984, no que ele chamou de Hora cósmica do búfalo – O século XXI me dará razão, com um alerta: “Se tudo não explodir antes”. Nesse manifesto Piva afirma que o século 21 lhe dará razão “por abandonar na linguagem & e na ação a civilização cristã oriental & ocidental com sua tecnologia do extermínio & ferro velho, seus computadores de controle, sua moral, seus poetas babosos, seu câncer que ninguém-descobre-a-causa, seus foguetes nucleares caralhudos, sua explosão demográfica, seus legumes envenenados”.

O Manifesto utópico-ecológico em defesa da poesia & e do delírio, escrito em 1983, na Hora cósmica do tigre, é um grito de invocação ao grande deus Dagon de olhos de fogo, ao deus da vegetação Dionísios, ao deus Puer que hipnotiza o universo com seu ânus de diamante, ao deus Escorpião atravessando a cabeça do Anjo, ao deus Luper que desafiou as galáxias roedoras, a Baal, deus da pedra negra, a Xangô deus-caralho fecundador das Tempestades.

Nesse manifesto, Piva diz no início: “Eu defendo o direito de todo o ser Humano ao Pão & à Poesia”. Lembra que “o delírio foi afastado da Teoria do Conhecimento e que as escolas estão atrasadas pelo menos cem anos em relação às últimas descobertas científicas no campo da física, biologia, astronomia, linguagem, pesquisa espacial, religião, ecologia, poesia cósmica, etc, provocando o abandono das escolas pelas crianças que percebem que o professor não tem nada a transmitir, imobilizando nossas escolas no vício de linguagem & perda de tempo em currículos de adestramento onde nunca ninguém vai estudar Einstein, Gerard Nerval, Nietzsche, Gilberto Freyre, J. Rostand, Fourier., W. Heinsenberg, Paul Goodman, Virgílio, Murilo Mendes, Max Born, Sousândrade, Hynek, G. Bern, Barthes, Robert Sheckley, Rimbaud, Raymond Roussel, Leopardi, Trakl, Rajneesh, Catulo, Crevel, São Francisco, Vico, Darwin, Blake, Blavatsky, Krucenych, Joyce, Reverdy, Villon, Novalis, Marinetti, Heidegger & Jacob Boehme”.

No Manifesto da selva mais próxima, de outubro de 1984, na Hora cósmica da águia, Piva afirmou:

Terra minha irmã/ entraremos na chuva que faz inclinar a nossa passagem os Guiambês/ Delinqüência sagrada dos que vivem situações-limite/ É do Caos, da Anarquia social que nasce a luz enlouquecedora da Poesia/ Criar novas religiões, novas formas físicas, novos anti-sistemas políticos, novas formas de vida/ Ir à deriva da Existência.

Dizendo que os partidos políticos brasileiros não têm nenhuma preocupação em trazer a utopia para o cotidiano, em nome da saúde mental das novas gerações reivindicou que a praça da Sé, em São Paulo, fosse transformada numa horta coletiva e pública. Entre outras reivindicações, destacou fazer da onça (pintada, preta & suçuarana) o Totem da nacionalidade, organizando grupos de proteção à onça em seu habitat natural, devolvendo às florestas as que vivem trancadas em zoológicos.

Piva também pediu a criação de uma política eficiente com grande informação ao público em relação aos discos voadores, facilitando as relações eróticas entre terrestres e tripulantes dos óvnis. Também propunha o surgimento da bossa-nova metafísica e do pornossamba. Ao dizer que o estado mantém as pessoas ocupadas em tempo integral para que elas não pensem eroticamente, Piva citou Novalis, o poeta do romantismo alemão: “Quem é muito velho para delirar evite reuniões juvenis. Agora é tempo de saturnais literárias. Quanto mais variada a vida tanto melhor”.

Roberto Piva se deixa levar pelo tempo em que a alucinação e o desespero são o mesmo ingrediente não apenas para a loucura necessária, mas para a passagem do remorso por tudo que deixou de ser feito, especialmente no que se relaciona à destruição das coisas, até mesmo da poesia. Como diz, citando Octavio Paz, a poesia não tem nenhuma utilidade.

É preciso dizer também que sua figura ligada à cidade de São Paulo está morta. Ele mesmo confessa que não escreve mais sobre a cidade, unicamente porque a cidade não existe mais, pelo menos aquela cidade dos anos 60, quando tudo se iniciou. Os poetas quase todos tinham 20 anos. E com 20 anos tudo é possível, todas as revoluções são realizáveis. Uns tomaram outros rumos na vida, foram mais práticos. Outros se desesperaram com a existência. Alguns se perderam em discursos inócuos. Outros morreram no suicídio lento de todas as horas. Restam poucos. E dos poucos que restam, nem todos têm na poesia o exercício da vida, o dia-a-dia da própria memória.

Roberto Piva não se considera mais à margem, pelo menos como o termo sugere. Agora publicado por uma grande editora, começa — como afirma — uma nova fase na sua vida. Mas garante: não fez qualquer tipo de concessão. Explica que não se marginalizou, foi marginalizado. Sua obra nunca abandonou sua proposição, guardando lugar a Dante, à poesia romântica alemã, aos beats, ao surrealismo. Piva ainda guarda a impossibilidade de se conformar com as coisas. Por isso se arremessa à violência e à angústia de observar o tempo. Afirma que sua poesia se manifesta como o magma dos vulcões. E nisso é preciso notar sempre a presença da indignação.

Ao se referir ao PT, lembra de Fidel Castro, a quem chama de criminoso, o homem da justiça sumária. Assegura que infelizmente o marxismo e o petismo alugaram a cabeça de muita gente. Hoje a esquerda é uma natureza morta. Já o PT é cúmplice da criminalidade de Fidel. Diz que sempre alertou que o país lidava com uma quadrilha leninista. Define o governo Lula como um atentado à democracia e à gramática da língua portuguesa. Mas, na verdade, não há muita alternativa. E diante disso lembra Allen Ginsberg, para quem os governos futuros existiam nos seus poemas e na morte de Maiakovski e de Hart Crane.

Piva tem o sonho de ainda ver o desaparecimento do que ele chama de último idiota da esquerda. Essa esquerda que, na verdade, se confunde com a direita, que se alia a qualquer coisa pelo poder. Quer estar distante desse lixo. Afirma ser um cidadão do mundo com a influência dos poetas planetários, e isso lhe basta.

Roberto Piva prefere não comentar a produção de poesia hoje no Brasil. Até, porque, sinceramente, não há muito a comentar, senão lamentar o que ocorre neste país na área literária. O melhor é não dizer nada, embora ainda existam poetas honestos praticando seu ofício de escrever poemas com seriedade. Falar em concretismo, por exemplo. Piva esclarece que esse assunto não tem qualquer espaço em seu interesse como poeta. Observa que sempre foi fiel à sua própria vida. A poesia de hoje é, como ele diz, “êxtase xamânico”.

Um pequeno poema escrito em Ilha Comprida, litoral sul de São Paulo, em 1993, inserido no livro Ciclones talvez explique tudo melhor. O poema cita Pierre Reverdy: “Le soleil et ton coeur sont de même matiére”.

o grande reflexo lilás caminha
creme dos anjos
flor ameaçadora da manhã
vento varrendo a paisagem
no momento sou um deus devasso
no parapeito frágil do destino
a névoa que me carrega é horizontal

Um estrangeiro na legião
Obras reunidas — Volume 1
Roberto Piva
Org.: Alcir Pécora
Globo
197 págs.
Roberto Piva
Nasceu em São Paulo, em 1937. Polêmico, é considerado um dos maiores símbolos da poesia marginal, autor de volumosa obra poética. São dele os livros Paranóia, Piazzas, Abra os olhos e diga ah!, 20 poemas com brócoli, Ciclone e Quizumba.
Alvaro Alves de Faria

É escritor.

Rascunho