Em 31 de março se comemora (?) os 36 anos da Revolução “Gloriosa”, ou da “Redentora”, ou simplesmente do golpe de estado que tirou do poder o presidente João Goulart, e mergulhou o Brasil em 21 anos de ditadura, quatro deles em especial de triste memória. Foram os anos de 69 a 73, que tiveram como marco o famigerado Ato Institucional nº 5, um dos maiores cerceadores de liberdades individuais que o Brasil já teve. O período coincide também com a época da guerrilha brasileira, quando a esquerda tentou depor os militares do poder por meio das armas. Tentou?
Apesar de existirem muitas histórias, pouca literatura se fez sobre o papel da guerrilha no Brasil. Podemos começar falando de O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira (Companhia das Letras, R$ 21). O hoje deputado federal participou em 69 do seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick. Gabeira foi o intérprete do embaixador, e quem alugou o aparelho, nome das casas de fachada que serviam de abrigo aos guerrilheiros. Gabeira começa sua narrativa fugindo da polícia no Chile, tentando entrar na Embaixada da Argentina. Corria o golpe militar de Pinochet, depondo Salvador Allende.
O texto de Gabeira, até o final do segundo terço do livro, segue uma linha da lembrança, que necessariamente não é a mesma do tempo. Neste momento, muitas lembranças suas se confundem, e fica um pouco confuso entender onde ele está. A parte final do livro conta os dias de Gabeira pelas prisões do regime militar, as torturas, as histórias e as esperanças (poucas) que resistiam no corpo dos torturados.
Outro personagem, hoje também político, e vereador no Rio de Janeiro, é Alfredo Sirkis. Ele é autor de Os Carbonários, Memórias da Guerrilha Perdida (Record, R$ 28), uma biografia de sua participação nos anos de chumbo. Sirkis adota um estilo mais linear de narrativa, contando desde o início de sua participação na esquerda brasileira, até como se envolveu com o seqüestro de dois embaixadores, como conheceu Carlos Lamarca, o guerrilheiro mais procurado do Brasil em 1971, e principalmente, os motivos que o levaram a desbundar (abandonar a luta armada, na gíria da época), e partir para o estrangeiro.
Os dois livros podem não significar muito como literatura, pois os autores são, antes de tudo, aventureiros. Gabeira à época era jornalista, Sirkis abandonou os estudos antes de chegar à faculdade, e também virou jornalista. Ainda que cada um tente dar cores melhores ao que fizeram e foram, ambos os livros não conseguem apagar a impressão de que, se a esquerda acabou no Brasil, foi por culpa pura e simples dela mesma. Mais do que os militares, os livros retratam a incompetência da esquerda, tanto em conseguir a adesão do povo, como em organizar-se e impedir a própria implosão em miríades de grupelhos, inócuos no combate à ditadura. Ler Gabeira e Sirkis deixa um gosto amargo na boca, saber que a ditadura brasileira foi tão longa porque seus maiores adversários, no máximo, incomodavam como um mosquito em uma noite de sono.