O namoro entre Ramón Castaños — protagonista do romance Um doce aroma de morte, de Guillermo Arriaga — e a jovem Adela começa na mesma manhã em que a moça é encontrada morta à beira do rio. O crime balança a rotina dos moradores da pequena Loma Grande, cidade onde todos se conhecem, com exceção dos chamados “novos” — cerca de vinte ou trinta camponeses levados ao povoado pelo governo.
Arrastado ao local do assassinato por um grupo de garotos assustados, Ramón, aos seus 16 anos, procura proteger a nudez da morta com sua camisa de domingo. O que é suficiente para espalhar na cidade o rumor de que “mataram a namorada de Ramón”.
Segundo romance de Arriaga, Um doce aroma de morte traz o inconfundível traço do roteirista dos filmes Amores brutos, 21 gramas e Babel, todos dirigidos por Alejandro González Iñárritu. Interessado pelas contradições da experiência humana — e pelo cinema tanto quanto pela literatura —, Arriaga ensaia sua estréia na direção cinematográfica com The burning plain (ainda sem título em português), previsto para 2009.
A rápida sucessão de fatos, comandados pelo administrador da cidade, Justino Téllez, não deixa espaço para o atordoado Ramón desmentir o seu romance com a morta — que conhece apenas de vista. Questão ainda mais delicada já que o rapaz nutre uma paixão secreta pela moça, uma das “novas” em Loma Grande. Apesar do assassinato, é Ramón que se torna a principal vítima das circunstâncias.
O “aroma” do título do romance se modifica ao longo da trama: o perfume barato e adocicado de flores que insiste em permanecer nas roupas da defunta dá lugar a uma pútrida mistura de suores, cerveja e decomposição.
Moscas sobrevoam o corpo de Adela, levada para uma sala na única escola de Loma Grande, mesmo contra os protestos da professora, que acha que o velório vai “assustar as crianças”. Sem hospitais, padres ou funerárias, a população se encarrega de preservar o corpo até o enterro com uma infusão de “mertiolate e rum”. Mas o ar pestilento permanece impregnado com o cheiro de morte.
O anúncio do provável assassino consolida a posição de Ramón: agora o rapaz deve vingar a morte de seu suposto amor, nem que para isso deva colocar sua vida em risco por uma desconhecida.
Uma traição mal resolvida e uma seqüência de pistas falsas provocam uma série de especulações entre os moradores, mais interessados na quebra da rotina provocada pelo assassinato do que em uma possível justiça. Fato confirmado com a certeza de que o único — fora o culpado — que sabe da verdadeira história pode não estar interessado em revelá-la.
O que se inicia como um thriller revela-se uma labiríntica comédia de erros, onde o assassino pode ser qualquer um, menos o principal suspeito. No pitoresco painel de personagens de Loma Grande, uma série de infidelidades, rancores e corrupções vêm à tona com a descoberta do corpo de Adela.
Como em O búfalo da noite (1999), publicado em 2002 no Brasil, a intrincada trama é o elemento fundamental do texto de Arriaga, um autor que afirma com todas as letras não gostar “daqueles romances em cuja orelha se anuncia: ‘neste romance, a linguagem é o protagonista’.” Afiado como o punhal que de um só golpe perfurou o coração de Adela, Arriaga se apropria da linguagem como um meio, jamais como um fim.