No submundo com humor e deboche

Resenha do livro "Mano Juan", de Marcos Rey
Marcos Rey, autor de “Mano Juan”
01/04/2006

O escritor paulistano Marcos Rey foi um típico fenômeno literário nacional. O motivo é simples. Ao longo de sua carreira, o jornalista Edmundo Donato, que assinava como Marcos Rey, foi um dos escritores brasileiros mais profícuos. Escreveu romances, contos, novelas, livros infanto-juvenis, além de contribuir para a TV, cinema e teatro. Tamanha atividade lhe valeu, quase no fim da vida, o prêmio Juca Pato (como o intelectual do ano) em 1995. A premiação era tardia, se comparado com o reconhecimento que recebeu pela geração de leitores formada com sua obra. E um exemplo disso está em Mano Juan.

O livro traz a história de um jornalista às voltas com um revolucionário oriundo da Bolívia que desembarca em São Paulo em busca de refúgio. Tudo estaria bem, se o momento fosse mais propício, o que não era o caso daqueles anos de chumbo. E tudo estaria um pouco melhor se todos os amigos de Batista, o jornalista, não decidissem, como num complô, “mijar para trás”, e se esquivar das responsabilidades. E tudo estaria realmente bem se, nesse período, a bela Dalila não aparecesse para complicar (ou apimentar) ainda mais a história. Os leitores acostumados com a obra de Rey já devem estar com os dedos e a imaginação em ebulição. Mas cabe dizer aos que não conhecem o “maldito paulista”, para parafrasear um de seus livros, que tais ingredientes são elementares na composição da escrita de Marcos Rey, que se celebrizou por caminhar pelos bastidores do submundo, como se fosse um vigilante dos hábitos, recolhendo a alma sordidamente encantadora das ruas.

De volta à história, tudo dá errado no romance, menos a forma como o escritor conduz a narrativa. Desse modo, o leitor é guiado freneticamente pelos acontecimentos presentes e passados da vida do fugitivo, assim como é apresentado aos típicos personagens do universo paralelo da noite paulistana. Em seus respectivos cenários (ou palcos), jornalistas, bêbados, trabalhadores, resignados, cada qual à sua maneira, são expostos sem máscara — ou sob a luneta mágica do narrador. Ao mesmo tempo em que nada escapa aos olhos desse observador atento, tudo fica exagerada e deliciosamente aumentado na proporção do humor e do deboche.

Mas que o leitor não espere um panfleto político, como se fosse um romance feito para determinada classe da intelligentsia, que adoram obras de cunho, como dizem?, “político”. Marcos Rey parece, inclusive, escarnecê-los ao satirizar o comportamento desses quando a situação realmente aperta. Talvez por isso, seus livros, que conquistaram uma legião de admiradores (entre leitores e não-leitores declarados de literatura em geral), não tenham conseguido atingir um reconhecimento da crítica, que, no Brasil, sempre preferiu os escritores de romances vetustos e sérios — desprezando, solenemente, todos os demais autores, tenham eles talento ou não. Um detalhe que torna o autor de Mano Juan um autêntico fenômeno literário nacional.

Mano Juan
Marcos Rey
Global
141 págs.
Fabio Silvestre Cardoso

É jornalista e doutor em América Latina pela Universidade de S.Paulo. Autor de Capanema (Record, 2019)

Rascunho