Ninho de repetições

“A anatomia da influência”, 456 páginas plenas de repetição e didatismos que conduzem o leitor a um exercício de extrema paciência
Harold Bloom. Foto: Divulgação
01/02/2014

A anatomia da influência: Literatura como modo de vida pode ser lido como a biografia intelectual de Harold Bloom. A infância pobre nos tempos da Grande Depressão, a vida acadêmica onde se notabilizou devido ao grande conhecimento acerca da poesia romântica inglesa. Mas foi na Universidade de Yale que começou a desenvolver seus estudos sobre a influência. A influência como fio condutor da história da literatura. Pelo menos no quesito poesia. O recente trabalho de Bloom é também a materialização de sua obsessão sobre a criação literária. Os primeiros sintomas apareceram com A angústia da influência, nos anos 1970, quatro décadas e tanto se passaram e Bloom volta ao tema que o consagrou como um dos grandes críticos da literatura. Tenho lá minhas restrições, embora as saiba irrelevantes diante desse oceano de súditos.

A anatomia da influência traz um Bloom que não cansa de olhar para trás, a se procurar, a se repetir, vira e mexe retoma o conceito de “Angústia da influência”, que grosso modo diz o seguinte: as grandes obras da literatura não resultam de uma idéia original, de um impulso criativo. Segundo o autor, as grandes obras são os frutos (sobreviventes?) da competição com aquelas que as precederam. Aqui o grande detalhe, frutos da competição, o que é muito diferente de repetição. E o que vemos costumeiramente? A repetição justificada como influência.

Como toda teoria, esta também tem seus admiradores e seus detratores. Convenhamos, a obviedade perpassa a maioria das grandes teorias literárias que nos assolam. Grande parte desse status devemos creditar aos nossos “brilhantes” professores universitários. Raros conseguem contestar essas teorias, basta que tenham grife. Aproveito para uma breve digressão. Experimente ler uma revista literária, americana, inglesa, francesa, tanto faz. Caso encontre resenha sobre livro brasileiro, pago o ingresso para você ver um jogo do Flamengo no Maracanã. Livros argentinos, você encontrará.

Reflexo do nosso atraso, de nossa obediência, e desse bando de escritores sem rosto, egressos das nefastas oficinas literárias. Mas fulano e sicrano fizeram oficina, você dirá. E eu respondo que seriam escritores sem as oficinas. Fim da digressão. Voltemos a Harold e seu ninho de repetições.

Agora, ele discorre sobre vários escritores, Milton, Joyce, Dante, Shelley, Leopardi, Epicuro, Lucrécio, Shelley, Whitman, Lawrence, Wordsworth, Crane, Stevens, Yeats, Blake, Lawrence, Cervantes, Proust, Emerson, Browning. Deixa transparecer que cita essa seleção apenas para destacar o melhor; Shakespeare, a grande influência.

Shakespeare, que não mereceu sua atenção em Angústia da influência, por considerá-lo acima do bem e do mal, mas em edições vindouras se corrigiria, afinal de contas existiu Marlowe.

Como um dos grandes criadores e defensores do estabelecimento de cânones, Bloom não nos deixaria sem essa, e vai de indagações acerca do significado de poemas e sua importância, até os fatores que o conduzem ou o afastam do cânone literário. Cansativo e extremamente pessoal. A chave do enigma? A competição. Tal poema é melhor, venceu seus oponentes? Simples, não concorda, cordato leitor? Simples demais. Uma teoria. Uma teoria a ser contestada. Mais uma. Estamos diante da teoria de Bloom, o que não implica servir a todos em todas as épocas e todos lugares. Precisamos ser mais exigentes. É função da grife estimular o consumo. A grife HB é auto-referente.

Por falar em competição, a teoria de Harold Bloom sobre a influência tem, no entender deste aprendiz, dívida a não prescrever com Walter Jackson Bate, que publicou The Burden of the Past and the English Poet em 1970. A angústia da influência foi publicada em 1973. Quem venceu? Para quem não conhece Walter Bate….

A anatomia da influência, 456 páginas plenas de repetição e didatismos que conduzem o leitor a um exercício de extrema paciência, embora tal comportamento não o prive do cansaço, do tédio. A angústia da influência traz o melhor de Harold Bloom, sucinto, curioso, mesmo assim não significa que seja intocável. A obviedade é uma luz opaca que nem mesmo a minha miopia de cinco graus se deixa engambelar. Não se deixa seduzir tão facilmente, pois em meio a tanta teoria onde fica o leitor? Harold Bloom parece conduzir o leitor, seria o procedimento correto? Antoine Compagnon nos oferece algumas indagações.

Muitas questões são levantadas a respeito da leitura, mas todas elas remetem ao problema crucial do jogo da liberdade e da imposição. Que faz do texto o leitor quando lê? E o que é que o texto lhe faz? A leitura é ativa ou passiva? Mais ativa que passiva? Ou mais passiva que ativa? Ela se desenvolve como uma conversa em que os interlocutores teriam a possibilidade de corrigir o tiro? O modelo habitual da dialética é satisfatório? O leitor deve ser concebido como um conjunto de reações individuais ou, ao contrário, como a atualização de uma competência coletiva? A imagem de um leitor em liberdade vigiada, controlado pelo texto, seria a melhor?

Roland Barthes também confere importância ao leitor.

Ao afirmar que “o texto é um tecido de citações”, que podem ter origem em outros textos, Roland Barthes desmistifica o autor como criador do texto. Ao retirar essa carga de importância do autor, Barthes elege o leitor como aquele que seria o encarregado de dar sentido ao texto no momento da leitura: “O leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino”.

Caro leitor, sei que você não gostou daquele trecho onde falo do óbvio, eu entendo sua desaprovação. Mas e agora, após Compagnon e Barthes, o sentimento permanece?

A anatomia da influência

Harold Bloom
Trad.: Renata Telles e Ivo Korytowski
Objetiva
456 págs.
Harold Bloom
Nascido em Nova York, em 11 de julho de 1930, Harold Bloom é professor titular de Ciências Humanas na Universidade de Yale, e já ocupou cátedra na Universidade de Harvard. Escreveu mais de 25 livros, entre os quais Hamlet: poema ilimitado, Gênio, Como e por que ler, Shakespeare: a invenção do humano, O cânone ocidental, publicados pela Objetiva. Ganhou o prêmio McArthur, da Academia Norte-Americana de Letras e Artes, e recebeu inúmeras distinções e diplomas honorários, inclusive a Medalha de Ouro de Crítica e Belles Lettres, conferida pela mesma academia, o Prêmio Internacional da Catalunha e o Prêmio Alfonso Reyes, do México.
Luiz Horácio

É escritor. Autor de Pássaros grandes não cantam, entre outros.

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