Nelson Rodrigues é o quarto título da coleção Arquivinhos, da Editora Bem-Te-Vi, cujo foco das atenções é a obra teatral do autor. Convém ressaltar o requinte da publicação, do material, dos textos, todos produzidos especialmente para o Arquivinho. Cláudio Mello e Souza se atém às questões biográficas, enquanto Armando Nogueira aborda a paixão de Nelson pelo futebol. Arnaldo Jabor comparece com artigo falando das peças adaptadas por ele para o cinema, Toda nudez será castigada e O casamento. Bárbara Heliodora analisa a estrutura de Vestido de noiva e Sábato Magaldi com o ensaio Visão de Nelson Rodrigues — leitura indispensável — examina a obra rodrigueana.
Há também um DVD com depoimento do dramaturgo nos estúdios do Museu da Imagem e do Som, em julho de 1967. Nelson é entrevistado por Otto Lara Resende, Walmir Ayala, Fausto Wolff, Helio Pellegrino, Ricardo Cravo Albin e José Lino Grünewald. No mesmo DVD, em outra entrevista a Otto Lara Rezende, em 1977, fala sobre a velhice, morte, diz que após ter saído do coma — esteve quinze dias nesse estado — passara a acreditar na eternidade da alma. Na entrevista, nota-se um Nelson abatido, mas de posse do mesmo radicalismo e disparando frases que ficaram célebres e outras de gosto duvidoso, como esta: “o homem só não anda de quatro porque morre”. Ataca os jovens e enaltece a velhice num depoimento beirando o patético.
O depoimento no MIS também traz ao primeiro plano o Nelson criador de frases, em que se nota, sobretudo, no entender deste aprendiz, um mau gosto a toda prova e a profundidade e relevância das frases completamente constrangedoras. Confira: “O teatro para rir, com esta destinação específica, é tão falso, tão amoral e tão imoral quanto seria uma missa cômica, como se de repente o padre começasse a botar laranja no focinho, os santos começassem a dar cambalhotas e, os coroinhas, a dar bananas para a gente”. E então, paciente leitor, dá para levar isso a sério? Tem mais. Que tal esta?: “Eu recomendaria aos jovens que envelheçam, que envelheçam depressa. (…) Recomendaria também que sejam neuróticos, a única forma válida de protesto que eu conheço em nossa época. Já que sujeito individualmente não pode fazer nada, que seja ao menos neurótico. A neurose é um protesto saudável”. No meu entender, simplesmente lamentável. Mas o que não falta é mané pra achar lindo. Você recorda de algo parecido proferido por Shakespeare? Tem outra citada por Arnaldo Jabor: “o mal da literatura brasileira é que nenhum escritor sabe bater um escanteio”. Tá, e daí?
Fico imaginando a merda que deva ser viver no Haiti, Jamaica, Senegal, Honduras….Como será o Nelson Rodrigues deles?
Diz Jabor em seu artigo Até hoje nosso dramaturgo é mal avaliado: “Nelson Rodrigues nunca foi bem entendido. Suas obras estão sendo reeditadas agora pela editora Agir, e continuo com a sensação de que ele é criticado pelo que não é e pouco elogiado por suas maiores contribuições à literatura do país”.
Concordo que Nelson seja mal avaliado, mas peço licença para mais uma vez inverter o binóculo — Nelson é superestimado, isso sim. Quer dizer então que Nelson deu grande contribuição à literatura brasileira? Faça-me o favor! Significa então que podemos ombreá-lo com Guimarães Rosa, Ferreira Gullar, Graciliano Ramos, Erico Verissimo, Clarice Lispector? É isso? Se é isso, alguma coisa está fora da ordem, bem fora da ordem. E notem que nem falei em Machado, Dyonélio, Rachel de Queiroz. Olhando de longe, bem de longe, deduzo pelo que ele escreve que a literatura mundial é que contribuiu para Nelson escrever sua vasta obra. Creio que antes de Shakespeare o dramaturgo pernambucano apreciava, e muito, a Dostoiévski.
Enfim, curioso leitor, o Arquivinho vale a pena, é um documento, apresenta um dramaturgo de vasta obra, porém longe do Olimpo ou perto, mas em companhia de Plínio Marcos, Maria Clara Machado, Vianinha….
A lamentar apenas a ausência do Nelson cronista, aí sim, sem discussões. Em se tratando de futebol, uma jóia rara se compararmos com a indigência mental dos que escrevem sobre o ludopédio. A exceção é o senhor Eduardo Gonçalves de Andrade, médico e professor nas Minas Gerais, mais conhecido por Tostão
Fica a sugestão para o próximo arquivinho: Plínio Marcos.
Boa leitura e não esqueça que Nelson é Nelson. Shakespeare é Shakespeare.