Nas mãos do leitor

Novo romance de Alessandro Baricco discute os tormentos causados por uma decisão radical
Alessando Baricco, autor de “Mr. Gwyn”
07/02/2015

Alessandro Baricco é um autor bastante conhecido do leitor brasileiro. Não só pelos livros. Além das adaptações cinematográficas como A lenda do pianista do mar, de Giuseppe Tornatore, baseado em Novecentos, não se pode esquecer de sua participação na Flip 2008. Agora, seu romance Mr. Gwyn acaba de ser traduzido.

Na Itália a sua grande divulgação se deve ao programa de televisão Pickwick, de meados dos anos 1990, dedicado à literatura, e às colaborações com jornais como La Repubblica e La Stampa. O seu primeiro livro de ficção é de 1991, Castelli di rabbia, mas antes disso havia publicado alguns ensaios, desde o final da década de 1970. Baricco é sem dúvida um autor reconhecido, que possui um amplo leque de leitores, basta fazer uma visita às livrarias (está traduzido e circula em muitas culturas) ou ainda dar uma olhada nos blogs. É um dos autores italianos contemporâneos mais conhecidos no exterior. Em termos de número de livros traduzidos, poderia estar ao lado de Umberto Eco ou de Italo Calvino.

Porém, nem tudo é um mar de rosas, e aqui não poderia deixar de lembrar da enorme polêmica, de 2006, comentada por boa parte da imprensa italiana, que teve como protagonistas Alessandro Baricco e dois dos maiores críticos literários daquele país, Giulio Ferroni e Pietro Citati. O texto de Baricco, uma carta aberta aos dois críticos e, mais ainda, a toda uma categoria, inicia com as seguintes palavras: “Caros críticos, vendo milhões de cópias e sou traduzido no mundo inteiro: se vocês não amam os meus livros, tenho o direito de ser reprovado”. Nas páginas de La Repubblica, o autor de Seda se lamenta das referências sempre negativas e en passant feitas pelos dois críticos em dois artigos. Ferroni, com outra carta aberta, dá a sua opinião dos eventos, elenca os textos escritos por ele sobre Baricco, afirma que o escritor fala sem tê-los lido e coloca algumas questões cruciais para o campo literário.

Se por um lado a carta aberta de Baricco pode colocar o dedo na ferida de uma academia que não se renova e vive em seus grupos fechados (o que em parte pode ser verdade), por outro nunca foi termo de medida para a qualidade de um escritor a quantidade de livros que escreve ou vende. O escritor, certamente, não é uma máquina de escrita. A discussão é muito complexa e não deixa de ser atual, mas nessa sede não interessa repercorrer os meandros desse debate que poder ser recuperado pelos textos disponíveis em vários sites. O que podemos lembrar aqui é do texto Outubro retalhado, de Silviano Santiago, de 2003, apresentado no seminário internacional O papel do intelectual hoje, organizado por Izabel Margato e Renato Cordeiro Gomes, na PUC-Rio, posteriormente publicado na Folha e no livro homônimo que saiu pela Editora UFMG (mais tarde integrou ainda o volume O cosmopolitismo do pobre). Nele, Santiago, um dos nossos maiores críticos, ao tratar dos prêmios concedidos a J. M. Coetze, Susan Sontag e Paulo Coelho, coloca em evidência, por um lado, a tensão que se estabeleceu entre Baricco e os críticos italianos (sem esquecer, é claro, as possíveis diferenças). Diz Santiago: “Dois quesitos tradicionais vêm sendo e foram de novo derrubados em Estocolmo: o da popularidade do autor e o da qualidade inquestionável da obra. O segundo prêmio é concedido indiretamente pela indústria cultural, isto é, pelos editores e livreiros. É corriqueiro entre desportistas e glutões; é novidade no campo literário”.

Fim da escrita
De todo modo, Mr. Gwyn é mais um livro dos muitos traduzidos, o que indica um motor em atividade no nosso mercado editorial. Nessas páginas, o personagem não tem um papel fácil: é mais um protagonista escritor e seu nome é Jasper Gwyn. O cenário não é o de nenhuma cidadezinha italiana — é uma metrópole moderna e contemporânea, Londres. Escritor de sucesso e muito conhecido, Mr. Gwyn, aos 43 anos, decide parar de escrever.

Já na primeira página temos a seguinte descrição: “Assim, de volta para casa, pôs-se a escrever um artigo que depois imprimiu, enfiou em um envelope e levou pessoalmente, atravessando a cidade, à redação do Guardian. Era conhecido ali. De vez em quando colaborava com eles. Perguntou se era possível esperá-lo”. Firme da sua escolha, o texto continha uma lista com todas as motivações que o levaram a tomar tal atitude. “O artigo consistia numa lista de cinquenta e duas coisas que Jasper Gwyn se comprometia a não fazer nunca mais. A primeira era escrever artigos para o Guardian. A décima terceira era encontrar-se com turmas de estudantes fingindo-se seguro de si. A trigésima primeira, ser fotografado com a mão no queixo, pensativo. A quadragésima sétima, esforçar-se para ser cordial com colegas que na verdade o desprezavam. A última era: escrever livros. De certo modo, fechava a vaga que a penúltima podia ter deixado: publicar livros.”

Os primeiros dias são vividos com alegria e prazer, porém, depois de algum tempo, começa a sentir falta de escrever, do gesto que o fazia organizar com atenção e cuidado os pensamentos, colocando-os linearmente numa frase. Uma ação cotidiana que de repente tinha sido cortada e não fazia mais parte da sua rotina. Contudo a sensação da ausência do ato de escrever vai, cada vez mais, aumentando e se agravando, até o ponto em que ele passa a ter crises de pânico. Para tentar remediar a situação, pensa na possibilidade de ser um copista, atividade que lhe daria a possibilidade de manter o contato com os antigos instrumentos de trabalho. Dessa primeira ideia, depois de alguns encontros, passa para uma outra, a de escrever retratos, com um objetivo muito ambicioso. O escopo desses retratos é o de tirar a máscara que as pessoas têm no dia a dia e que esconde a verdadeira essência de cada uma delas (e de nós).

O lugar onde são feitos os retratos é pensado por Mr. Gwyn e os clientes devem respeitar um acordo um tanto estranho. Durante um mês, todas as tardes durante quatro horas devem ficar andando no cômodo quase sem decoração. Apenas um detalhe, sem roupas.

A nova profissão satisfaz, há clientes e inclusive uma secretária de nome, que foi o seu primeiro modelo, até que ele se depara com um cliente de caráter bastante difícil, uma moça, e depois de uma série de desventuras, ele simplesmente desaparece. Aqui a trama passa a ter uma história quase “policial”, já que é a secretária a investigar o desaparecimento do chefe, depois de encontrar algumas pitas e seguir outros indícios.

A descoberta no final pode ser surpreendente ou pode decepcionar. A palavra final está com o leitor, seja ele mais ou menos atento.

Mr. Gwyn

Alessandro Baricco
Trad.: Joana Angélica d’Avila Melo
Alfaguara
224 págs.
Alessandro Baricco
Nasceu em Turim (Itália), em 1958. Estudou filosofia com Gianni Vattimo. Como crítico de música colaborou com os jornais La Repubblica e La Stampa. Teve também uma importante participação em alguns programas da televisão italiana. Sua carreira inicia com grande sucesso de público na década de 1990, com Novecentos, Seda e City. Escreve para o teatro e, em 2008, estreia como diretor cinematográfico.
Patricia Peterle

É professora de literatura na UFSC.

Rascunho