Tem razão Benedito Nunes ao dizer que o livro de Antonio Carlos Secchin é de uma estonteante diversidade. Escritos sobre poesia & algumas ficção é uma viagem por diversas paisagens literárias feita por meio de artigos e mini-ensaios que percorrem a literatura brasileira desde os autores do Romantismo até o Modernismo, passando por Álvares de Azevedo e Castro Alves até chegar em Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade.
O poeta Antonio Carlos Secchin afirma que seu livro é mais uma etapa de uma vocação destinada a servir a poesia, seja por meio de poemas propriamente ditos, seja por meio de reflexão crítica. Mas, num ou noutro caso — como afirma —, tenta sempre esgarçar os limites que compartimentam em excesso os domínios discursivos, ou que isolam crítica e criação como campos rigidamente diferenciados ou até antagônicos.
Secchin (autor da coletânea de poemas Todos os ventos, Prêmio Nacional de Poesia, da Fundação Biblioteca Nacional) observa que, ao contrário, interessa-se trabalhar com zonas de convergência (ou de turbulência) entre os dois registros, na medida em que o poeta, hoje, quase necessariamente incorpora um viés crítico-reflexivo, e o crítico — pelo menos na acepção a que aspira — pode ter também uma relação fundadora com a palavra, sem negligenciar seu papel multiplicador de sentidos no contato com a obra poética.
O livro é um dos melhores trabalhos de crítica publicados nos últimos tempos nestas plagas tropicais de muitas promessas. Antonio Carlos Secchin sabe que, antes de tudo, a literatura não é um campo de tantas inutilidades como as que se apresentam sempre neste cotidiano de lágrimas. Seu livro vem provar que é possível existir inteligência na crítica. Tome-se como exemplo um dos capítulos desta obra Cruz e Souza: o desterro do corpo, no qual Secchin dá o tom da seriedade de Escritos sobre poesia & alguma ficção.
Felizmente ainda existem livros assim para dar alguma esperança no vale de equívocos que abrange quase tudo em manifestações deprimentes.
Ele diz:
— Lembro ainda que o título do livro — e nisso vai uma voluntária ambigüidade: primeiro (o mais evidente), porque, de fato, trato de alguns poucos livros de ficção; segundo, porque, no mesmo ânimo de alargamento das fronteiras de gênero, incluo dois textos ficcionais na função de textos críticos: uma autobiografia de Castro Alves e um conto de forma epistolar, no qual Dom Casmurro acerta contas com o passado — aí incluído o famoso enigma conjugal.
Existe crítica literária no Brasil?
— Há crítica de qualidade, e não entro no jogo de acadêmicos versus não-acadêmicos. A competência, ou a falta dela, pode manifestar-se em qualquer lugar. Prezo, acima de tudo, a pertinência e a adequação do discurso ao público ao qual ele se dirige. Esse ânimo comunicativo talvez devesse ser a exigência mínima de quem se interessa por que a palavra possa surtir algum efeito.
O que é preciso para ser um crítico sério?
— Essa questão acompanha desde sempre o exercício da crítica. Entre nós, Machado de Assis e Alceu Amoroso Lima já tentaram estabelecer alguns parâmetros. Alinho atributos que, ao meu ver, deveriam ajudar a compor um possível (mas necessariamente inconcluso) “modelo” de crítico: a cultura, inclusive em domínios fora de sua maior especialização; a consistência teórica, ainda que ela não necessite exibir-se a cada passo, sobrepondo-se ao objeto específico de análise; sensibilidade e acuidade para a percepção das sutilezas formais; receptividade para o novo, mas sem julgá-lo necessariamente ao que o precedeu; equilíbrio e independência frente a facções literárias, de vanguarda ou retaguarda; domínio do instrumental lingüístico (o texto de certos críticos às vezes soa como tradução mal feita de outro idioma); capacidade de autocrítica, para refazer ou reformular critérios ou juízos; coragem de arriscar-se, defrontando-se com uma produção contemporânea ainda não decantada pelo crivo histórico.
Pensando assim e assim agindo, Antonio Carlos Secchin mostra porque é considerado um dos melhores textos de crítica e ensaios literários sobre autores e obras. Escritos sobre poesia & alguma ficção trilha especialmente o caminho do trabalho honesto, com artigos publicados a partir de 1996, construindo o que poderá ser uma obra de referência, já que trata da poesia brasileira desde o século 19 até a atualidade.
Professor titular de Literatura Brasileira da Universidade do Rio de Janeiro, Secchin observa que seu livro se divide em três partes: Na primeira se localizam ensaios mais longos, seja de natureza panorâmica, como o que escreveu sobre o imaginário marinho da poesia romântica, seja centrado num só autor, a exemplo dos que redigiu sobre a prosa memorialística de Raul Bopp ou sobre a tentação do corpo da poesia etérea de Cruz e Souza. A segunda parte é composta de artigos breves, resenhas, apresentações e prefácios. Apesar de algumas incursões parnasianas, simbolistas e modernistas, a maior parte desses textos é relativa à poesia brasileira contemporânea. Portanto — diz —não deixa de ser um “documento” sobre matéria tão pouco documentada.
Secchin observa que, no seu caso, o crítico é mais importante que o poeta, mas o poeta pensa o oposto. No fundo — como explica — acha que ambos estão certos e errados. Assegura que a poesia (pelo menos pretensamente) costuma invadir a linguagem do ensaísta Secchin, e um severo olhar autocrítico nunca abandonou o poeta Antonio Carlos.