Mundo Livre contra o arrastão global

A música brasileira virou um bla-bla-bla sem fim. Não diz nada, não discute nada, não contesta nada
01/10/2000

A música brasileira virou um bla-bla-bla sem fim. Não diz nada, não discute nada, não contesta nada. É o nada injetado no cerebelo de ouvintes generosos como putas bem pagas. A maioria dos “músicos” se oferece à mídia com uma devoção franciscana, nem que para isso precisem mostrar a face mais repugnante do ser humano diante de uma câmera de TV, para milhões de telespectadores vampirizados e vampirizantes. Sanguessugas de esgoto que referendam “o sucesso”. Aliás, esta palavrinha foi muito bem definida pelo cantor punk João Gordo numa entrevista à TV. Segundo ele, “pra fazer sucesso na música brasileira basta fazer um som ruim, com uma letra imbecil, um refrão ridículo e botar duas vagabundas pra rebolar”. Não tem erro: vende.

Foi tirando um grande sarro de tudo isso que a banda pernambucana Mundo Livre S/A, que não vende nada, lançou neste mês o quarto CD. Para chutar a canela dos neoliberais da mídia, aqueles que mais ganham com o “arrastão global”, o cérebro do Mundo Livre, Fred Zero Quatro, imaginou uma imagem para banda. Ou seja, juntou pessoas que se enquadram no padrão estético-siliconizado dos meios de comunicação. A partir de agora a banda é coadjuvante: os músicos tocam, mas quem bota o rostinho na TV são os bonitões. Uma sacada, um verdadeiro “pé no balde” com estilo ácido e bem-humorado.

Essa crítica corrosiva é saborosamente destilada em 13 faixas que misturam ritmos nordestinos, samba, guitarras e um cavaquinho de muito bom gosto. Tudo isso está na primeira música do CD, O mistério do Samba: “…o samba não é silicone/o samba não é malhação/o samba não é do Gugu/o samba não é do Faustão.” Isso é dedo sujo na ferida. Na segunda música, Concorra a um carro, o petardo atinge o estilo de vida consumista, as desumanas regras de mercado que achacam cidadãos, destróem o caráter e inviabilizam a vida propriamente dita: “O mercado é uma guerra/lidere ou suma, vença ou morra/no submundo do consumo/não há lugar para escrúpulos(…)cedo ou tarde você vai se entregar.” Por pouco implode a mediocridade que vige no mundo desde que o ser humano, aquele que se auto-intitula racional, descobriu a desculpa da falta de sorte: “Votamos no quase honesto, pois quase confiamos nele/acabamos de entrar pelo cano/por pouco não reagimos, quase nos revoltamos.”

É TNT na atitude asséptica do homem que não se envolve com a política. As músicas desse CD deixam bem claro que sucesso não faz parte das pretensões da banda, ou alguém imaginaria um hit com a letra de Batedores? “Há décadas eles vêm comprando e subornando congressistas, democratas, modernos, liberais, patrocinando campanhas presidenciais, financiando planos de governo, armando, tramando novos consórcios globais que assumem rapidamente o controle de imensos e estratégicos patrimônios estatais…”

Este disco do Mundo Livre S/A mostra claramente que o castelinho de areia do “status quo” só resiste porque sempre haverá alguém disposto a decorar coreografias fáceis e a repetir refrãos banalizantes, seja de chapéu e bota ou de roupinha da Carla Perez. A mediocridade humana é o lastro. E assim segue a vida: vamos ouvindo as mesmas coisas, comprando os mesmos tênis e elegendo as mesmas pessoas…sempre “de olho na tendência”, “pra não perder o bonde da história”. Se você é assim, não perca tempo com esse CD e vá dançar “agachadinho.” Senão, tudo bem: não precisa correr, o CD do Mundo Livre S/A ainda vai ficar muito tempo encalhado nas prateleiras das lojas.

Jeferson de Souza
Rascunho