Mulherões de verdade

“As netas da Ema”, de Eugênia Zerbini, é um fast romance sobre mulheres que sabem o que quer e vão atrás de seus objetivos
Eugênia Zerbini, autora de “As netas de Ema”
01/09/2005

Há uma nova realidade literária que é impossível negar, a não ser que você daqueles que duvidam de qualquer avanço tecnológico, como a ida do homem à Lua (teorias da conspiração à parte). Hoje em dia há uma enorme fornada de novos autores que crescem e amadurecem no ambiente virtual, antes de partirem para a impressão em papel de alguma obra sua. E os há de todos os gostos — romancistas, cronistas, contistas, poetas, etc., etc., etc. —, a maior parte deles escrevendo em algum blogue. São milhões, no mundo inteiro, e nenhuma empresa se dispõe a contá-los, pois sua conta já se perdeu faz tempo…

Escrevendo todo dia, ou praticamente todo o dia, uma forma de texto que, devido às suas características, deve ser ágil e sem firulas, esses autores (de todas as idades) trazem em comum a naturalidade com que tratam um dos principais fenômenos da vida moderna: a falta de tempo. Por isso, suas obras impressas tendem a ser curtas e rápidas, como seus blogues. E essa característica os torna também globalizados — já que essa falta de tempo e essa agilidade ao escrever sobre ela são percebidas tanto em autores brasileiros, quanto em ingleses, suecos ou quaisquer outros conectados, não importa de que nacionalidade. Claro, há exceções, mas a regra é clara. No mercado inglês já foi cunhado um termo: o fast romance, o romance que se lê em tanto tempo quanto o necessário para se ver um longa-metragem. E, veja bem, não há aí qualquer julgamento de valor. Pode ser um livro bom, pode ser uma bela porcaria, mas ele deve ser necessariamente de rápida leitura.

Assim, chegamos a esse As netas da Ema, livro de estréia da ex-advogada e agora professora e escritora Eugênia Zerbini, e vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2004. Eugênia é a autora do blogue http://netasdaema.zip.net, e a Ema do título é a Emma Bovary, uma das principais personagens femininas da história, criada (ou contada) por Gustave Flaubert. O tema do blogue é a mulher, e se você é um homem que quer saber o que as mulheres de hoje pensam deve lê-lo. Não precisa ser diariamente, mas dê uma passada por lá pelo menos uma vez por quinzena.

O livro é um filho natural do blogue. A protagonista é uma executiva, solteira e profissionalmente bem-sucedida, prestes a ser premiada como Madame-Empresa. Durante uma viagem, a mulher é assaltada, reage aos assaltantes, bate com a cabeça no chão, fica ferida, vai parar no hospital, leva uns pontos e volta para o hotel, sem que ninguém lhe pergunte o nome. Tudo isso sozinha. A idéia de que, naquele instante do assalto, a sua reação pudesse ter provocado a própria morte, e de que essa morte teria apagado o seu nome da Terra, sem que muita gente se desse conta disso, acaba provocando na personagem um momento de reflexão a respeito da própria vida. O acidente também desperta nela um desejo: o de escrever um livro. Mas sobre o quê? O desejo traz de volta a reflexão sobre o papel da protagonista e de sua vida. Para que serve a vida? Para que ela serve? Qual o propósito disso tudo?

Assim, Eugênia vai contando a história da mulher, a da semana em que ela vive o assalto, e um pouco de sua história, de como ela chegou onde chegou. Conhecemos, assim, sua avó e seus pais, ou melhor, temos noção de seus pais, pois estes foram seqüestrados e mortos durante a ditadura militar brasileira; e conhecemos também outras mulheres, da mesma idade da protagonista, que, assim como ela, não possuem o velho sonho de constituir uma família — pelo menos não do modo tradicional.

Além disso, um fato fundamental da vida da protagonista de Eugênia mostra que ela é daquele tipo de mulher que, para sobreviver e ter sucesso, conseguiu superar todas as dificuldades que lhe foram impostas. E, aqui, quando se diz sucesso, não se trata apenas de sucesso profissional. A protagonista de As netas da Ema poderia muito bem ser uma velha carpideira, daquelas que choram todas as desgraças do mundo, em especial as suas, mas que não fazem nada para mudar a própria história. Lê o livro e descobrirás o porquê.

É um romance de mulheres e sobre mulheres, mas não para mulheres. Pelo menos não no sentido tradicional do termo, daquela espécie de literatura que gera, a cada semana, um livro de Sabrina, outro de Bianca, mais um de Barbara Cartland e sabe-se lá mais quem está em voga. É um livro de mulheres contemporâneas, que tomaram a rédea de sua história e deixaram de ser mandadas para mandar, pelo menos na própria vida. Mulheres fortes, decididas e nem por isso menos femininas (esse talvez o grande paradoxo da mulher contemporânea). A protagonista e suas amigas — todas batizadas de acordo com suas qualidades, como A-amiga-comum-que-também-era-dentista ou A-divertida-de-cabelos-vermelhos — são mulherões, daquelas que metem medo em homens não tão seguros de sua masculinidade. O fato de não terem nome as coloca como exemplo de tantas mulheres que há por aí.

Em termos de ritmo, Eugênia não nega (nem faz questão de esconder, acredito) sua origem blogueira. O texto é curto, enxuto e direto. A narrativa é direta, a ação é quase ininterrupta, e mesmo quando a protagonista se perde em devaneios, são devaneios de um caráter prático, carregados de lembranças de um passado que talvez fosse melhor esquecer, enterrar. Mas a narrativa é tão direta que a leitura atenta não dura mais que duas ou três horas. Talvez seja essa a maior característica dessa geração de escritores formados na internet, que, mesmo escrevendo bem, acabam tendo um fôlego curto, e histórias que poderiam ser maiores tornam-se breves. Longe de ser uma condenação, isso talvez revele um aspecto dos novos tempos, em que há muita coisa para ser lida, e pouco tempo para tal.

Mas, novamente, lá vai o recado. Se você quer entrar em contato com uma mulher de verdade, um mulherão, não titubeie. As netas da Ema terão prazer em se apresentar.

As netas de Ema
Eugênia Zerbini
Record
178 págs.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho