“Et le temps du film a été celui de la pellicule (…) Alors le film, c’était l’histoire de la pellicule, du début a as fin.”
Quem disse isso foi Jean Eustache, a respeito de Odette Robert.
La merda é que não lembro quem seja Jean Eustache, não sei quem é Odette Robert. E muito menos sei falar francês. Fodeu!
Suponho que Eustache seja um cineasta e Odette a sua atriz preferida. Com a pele cheia de celulite, como diz a frase: “celui de la pellicule”.
Seria?
Brincadeiras à parte, vamos direto ao bom português.
Essa citação em francês está em Stereo, de Maurício Salles Vasconcelos, o primeiro volume de ficção escrito por este carioca, que agora mora em Belo Horizonte (mais uma produção da grife Ciência “Joca Terron” do Acidente, SP).
O livro apresenta duas partes, dois lados, digamos. Um, o Películas, e o segundo o Vinis. Sabemos, pois, que o autor vai falar de filmes, vai falar de discos. Chuviscos na tela. Arranhões na vitrola.
Por aí.
São todos minicontos. Fragmentos urbanos. Sons metropolitanos. Algo lembrando o Fluxo silencioso das máquinas, do Bruno Zeni (Ateliê Editorial). Algo afinado com flashes e acordes presentes na prosa de Fernando Bonassi.
Maurício consegue fazer a sua música. E bem. Principalmente para quem saiu de pesquisas transdisciplinares (ele fez pós-doutorado na New York University) e veio mergulhar sua agulha na ficção. Publicou, antes, alguns livros de poesia. Um, inclusive, bem que poderia intitular essas suas narrativas, o Lembrança arranhada (1980).
O novo livro está repleto disso. Uma memória musical. Poesia nostálgica. Saudades da época dos Rolling Stones. Uma poesia que parece querer encontrar a sua voz na ficção. Prosa que não dramatiza. Toca Philip Glass pelos parágrafos. Noutra hora, toca Tom Verlaine. Joy Divison. Egberto Gismonti. Nem sei boa parte desses nomes. Talvez, por isso, Maurício esclarece, na apresentação da segunda parte do livro, que “As narrativas, aqui reunidas, se inspiraram nas capas, nos nomes das composições (assim como em algumas de suas melodias, letras, concepções) e nos títulos referentes aos 25 vinis relacionados a seguir”.
Isso me fez lembrar o contagiante Máquina de pinball, de Clarah Averbuck, (Editora Conrad). Nele, Clarah enche os capítulos de citações em inglês, compõe uma trilha sonora para a leitura do livro. E o melhor do livro da Clarah, como o melhor do livro do Maurício, não está aí. A quem interessa esse roteiro se não aos autores? Ouvi dizer que os beatniks faziam isso, é mesmo?
De minha parte, prefiro continuar na ignorância. Para poder, só assim, receber a prosa como ela deve vir. Sozinha. Na força da sua palavra. De ouvidos limpos, entrar na música que eu quiser. Pode ser um DJ ou o Rei do Baião. John Coltrane Quartet ou Jackson do Pandeiro.
Stereo é mono e isso não chega a ser defeito. O livro tem um ritmo único, da primeira à última linha. É bonita a “música ambiente” que Maurício cria.
“It was raining hard outside, and I could hardly hear the music above the rain — just the loudest notes, like little crystals, sonic icebergs rising out of storm.”
Quem assina agora é o Brian Eno, em “Ambient Music”.
Não sei quem é Brian Eno.
Mas nada disso importa. Raspando essas referências, e desculpando a minha falta de conhecimento, os textos do Maurício valem a pena ser lidos.
O resto, é só não dar ouvidos.