Antonio Tabucchi é um dos autores da literatura italiana contemporânea mais traduzidos no Brasil. Tristano morre, Requiem, Afirma Pereira, Mulher de Porto Pim, Sonho de sonhos, Está ficando tarde demais, Anjo negro e Noturno indiano são alguns dos seus livros que os leitores brasileiros já tiveram a possibilidade de ler, entrando assim em contato com a sua poética. Professor de literatura portuguesa, hoje, Tabucchi vive entre Paris e Lisboa. Mas a sua atuação como tradutor no bel paese foi muito importante para abrir ainda mais as portas para a produção cultural de língua portuguesa. Alguns dos autores traduzidos por ele são: Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa e José Lins do Rego.
Ele, em 2010, já tinha sido convidado pela organização da Flip para participar da 8.ª edição da feira literária em Paraty, mas ficou impossibilitado de confirmar a sua presença por motivos de saúde. Contudo, agora em 2011, Tabucchi faz parte do corpo de autores convidados para a 9.ª edição do evento, ao lado de James Ellroy, João Ubaldo Ribeiro, Claude Lanzmann, Joe Sacco e Emmanuel Carrère.
O ato da escrita é, para esse escritor italiano e cosmopolita, uma espécie de viagem por meio de sensações e experiências e, ao mesmo tempo, um resgate delas. São os momentos vividos, os livros lidos e os autores admirados a deixar marcas na sua narrativa, à primeira vista simples, mas permeada de símbolos e signos. “Pessoa e Pirandello são os dois autores que posso citar: no primeiro a realidade pode ser; no outro pode parecer”: eis a resposta de Tabucchi a José Guardado Moreira, em 1993, quando lhe foi perguntado os autores com os quais mais se identificava. Todavia, não é possível esquecer tantos outros que desenham a complexa constelação desse escritor: Rilke, Conrad, Kavafis, Kafka, Drummond, Baudelaire e Svevo.
O texto tabucchiano apresenta-se como um emaranhado, envolvente e fascinante para o leitor, com uma “textura” que exige uma atenção maior para a identificação dos inúmeros símbolos ali contidos. É assim que ele deixa pistas e pegadas escondidas na narrativa, que podem ser identificadas pelo leitor-detetive, o qual deve estar “antenado” para reconhecer e decifrar as páginas literárias como se fossem um grande mapa. Um jogo sobre o reverso das coisas — como recita o título de uma das suas obras — e, ainda, sobre o binômio visibilidade x invisibilidade.
Uma temática presente na sua produção desde os primeiros textos que tratam da história italiana e depois da história/cultura portuguesa. A História, aquela com H, que representa os acontecimentos importantes, em outras palavras, a macro-história, é misturada às infinitas histórias de personagens não conhecidos que compõem e dão forma às micro-histórias. Todos esses elementos são identificáveis até num livro sobre a morte, como poder ser considerado Tristano morre. Porém, não se deve esquecer que, ao lado da morte, talvez o tema principal, estão a memória e as reflexões sobre a escritura.
Sem dúvida, Antonio Tabucchi é um homem ligado às problemáticas da contemporaneidade. A fragmentação, o escrever como forma de experimentação e a literatura como modus operandi são três aspectos essenciais para poder entender melhor a sua poética. Tabucchi, indivíduo, cidadão, escritor, discute as notícias e os acontecimentos de seu tempo. Tempo clivado, assim como a realidade “diacrônica”, para usar as palavras dele.
Temas efêmeros
Memória e tempo são as palavras-chave do seu mais recente livro, O tempo envelhece depressa, publicado no mercado editorial nacional, em 2010, pela Cosac Naify, com tradução de Nilson Moulin. Cerca de 160 páginas, divididas em nove contos: O círculo, Clof, clop, clofete, clopete, Nuvens, Os mortos à mesa, Entre generais, Yo me enamorè del aire, Festival, Bucareste não mudou nada e Contratempo. Temas sutis e “efêmeros”, com uma forte carga existencial, como pode ser o significado da ausência, permeiam essas leituras. O cenário das primeiras publicações dá espaço a outros novos: Alemanha, Hungria, a ex-Iugoslávia. Novas descobertas literárias? O olhar do escritor tende a deslocar-se na direção do leste europeu, um deslocamento que requer outras temáticas. Assim, é possível pensar nas fronteiras culturais sempre menos nítidas e mais fluidas: civilização x barbárie.
“Perguntei-lhe sobre aquele tempo, quando ainda éramos tão jovens, ingênuos, impetuosos, tontos, despreparados. Algo disso restou, menos a juventude — me respondeu.” Essa é a primeira frase de O círculo, que abre a coletânea. Aqui a questão do tempo já aparece desde a linha inicial. Uma rede de menções e citações. Se nesse conto há uma referência a Haussmann, o seguinte, Clof, clop, clofete, clopete, é uma onomatopéia do barulho da gota da chuva — “algumas são mais grossas e outras menores” — e o personagem que acorda com uma dor intensa na perna e está internado lembra o rapaz de Praga
que certo dia acordou fora do contexto, no sentido de que em vez de estar de lado estava de costas, observando o teto de seu quartinho, que ele sabe-se lá por que imaginava celeste, mexia em vão as patas peludas perguntando-se o que fazer. O pensamento o irritou, não tanto pela comparação quanto pelo pertencimento ao gênero: literatura, ainda literatura.
“O diálogo é impossível”, afirma o narrador desse segundo conto. Uma narrativa, a de Tabucchi, que neste livro parece ter como princípio o estar “fora do lugar”. Não é nem um entre-lugar, é, realmente, um fora. Percursos incompletos, personagens e histórias que se entrelaçam num movimento tortuoso.
“Por que veio aqui, disse a si mesmo, o que procura?” é o questionamento que o personagem do conto Yo me enamoré del aire se faz ao visitar um jardim botânico. Na exploração desse território, acompanhado de um bloco de notas, o personagem presta atenção aos tipos de plantas e às proveniências: Açores, Canárias, Brasil, Angola. Continuando a caminhada, chega a um mirante de onde observa toda a topografia da cidade, comparada a um mosaico azul e amarelo, e depois de admirar a paisagem retoma o percurso pelo parque. De repente, ouve uma canção na voz de uma mulher, tenta seguir as ondas que chegam pelo vento. É um casarão ao lado do parque, observa a mulher que estende lençóis no varal. Consegue identificar as palavras e fica enfeitiçado pelo “ar” da canção: “Yo me enamoré del aire, del aire de una mujer, como la mujer era aire, con el aire me quedé”. Sensações e percepções, um jogo também de memória fluido e efêmero, são as marcas desses contos, que delineiam narrativas que apontam para o “desejo paradoxal” de toda a literatura, como coloca Bernardo Carvalho na orelha de O tempo envelhece depressa.
Deslocamentos físicos e imaginários, viagens, uma espécie de mapa perfilado por palavras e por geografias inventadas e reais que se cruzam na ficção. Uma viagem, também aquela proporcionada pela narrativa, que oferece a possibilidade de descoberta do outro e de si.