Miguel Torga: entre o sermão da montanha e a rebeldia de Orfeu

A criação literária de Miguel Torga — autor português cujo centenário de nascimento se comemora em 12 de agosto — pode ser tomada como interessante ponto de partida para a reflexão sobre as complexidades do conceito de modernismo na literatura portuguesa
Fotografia Miguel Torba, de Clara Rocha
01/08/2007

Dividida e decidida por circunstâncias históricas e pessoais das quais não pôde fugir (a pobreza, os anos de emigração no Brasil, onde foi lavrador, a dedicação missionária à medicina, a atuação política que lhe valeu prisões durante a ditadura de Salazar, o financiamento próprio — com poucos recursos — de suas edições, o temperamento introvertido), a escrita de Miguel Torga se desenvolveu de modo errático e fluente ao longo de seis décadas. Se contarmos as freqüentes reescritas e alterações feitas por ele em suas reedições — que são um capítulo à parte e dos mais complexos na trajetória de seus livros —, são mais de 40 publicações entre poesia, contos, romances e escrita íntima, uma vasta obra que ora se afina ora busca a margem em relação aos movimentos literários do século 20.

Miguel Torga nasceu Adolfo Correia da Rocha em Agosto de 1907, na região de Trás-os-Montes, Portugal. Filho do campo e da montanha, leal à cultura e às lutas pela sobrevivência próprias dos moradores de uma das regiões mais pobres de Portugal (a ponto de usar como pseudônimo, em auto-identificação metonímica, um vegetal típico das montanhas de seu país), Torga manteve-se sempre ligado à sua origem rural, apesar das experiências urbanas que também teve, especialmente em Coimbra, onde se formou e exerceu a medicina. A terra natal é por ele cantada em muitos dos seus poemas, transfigurada em A criação do mundo, ilustrada pelos Contos e Novos contos da montanha, analisada nos seus Diários.

São da década de 20 as suas primeiras publicações de poesia, ainda estudante, assinadas com o nome de batismo. Identifica-se então com o segundo momento do Modernismo português, militando intelectualmente do grupo da revista Presença, caracterizado pela tendência a criações intimistas e de matiz filosófico, próprias de uma época de ponderação sobre o destino humano em um conturbado (e talvez irremediável) mundo em crise de valores, vivendo ao mesmo tempo — e sob o poder de tiranos emergentes — as seqüelas de uma guerra mundial e o prenúncio de uma outra. Convive com importantes autores desse tempo, como José Régio, João Gaspar Simões, Casais Monteiro, Vitorino Nemésio, Branquinho da Fonseca e Carlos Queiroz, entre outros. Em 1930, após uma crise de identidade literária, num momento em que clama pela idéia algo romântica de autenticidade (para si e para a literatura em geral), rompe bruscamente com o ideário da Presença e dá-se a experiências pontuais em outros heróicos e precários periódicos coletivos (como Sinal e Manifesto) que pouco ou nenhum traço deixaram na literatura portuguesa da primeira metade do século 20. Aos poucos, na poesia e na prosa, vai afirmando um perfil literário que oscila entre autonomia e inconstância, na busca ideal de uma expressão que juntasse a voz ancestral do saber camponês sem caricaturá-lo — e sem reduzi-lo ao retrato do caráter regional visto como determinismo, como pregará, na década de 40, o movimento Neo-Realista — ao anseio de uma compreensão complexa de sua simplicidade.

Como chegar a isso sem contar (por opção) com o estofo das “boas companhias” literárias, evitadas com certa rudeza ao longo dos anos, e sem se deslocar das lides das letras em prol dos ideais humanitaristas e políticos a que sua concepção de mundo sempre esteve ligada, num tempo em que ser artista pressupunha, mais que hoje, militância em favor do humano, com todos os riscos inerentes a essa missão? A escrita de Torga sempre se viu obrigada a exercícios de equilíbrio em vista das pressões a que ele mesmo, por formação, opção ideológica, índole e injunções externas a submeteu.

Em certo sentido, sua obra ostenta a crença na literatura como o modo por excelência da mais alta da expressão da cultura, capaz de plasmar a consciência e a identidade de um povo. Sustenta no livro Portugal que a sua imagem mítica de Trás-os-Montes remete poeticamente a Portugal. Assumindo-se como um escritor intelectualmente orgânico e impulsionado pela reflexão sobre o destino nacional (com suas infindáveis crises), quis deixar audível em sua obra, mais que tudo, a voz representativa de uma das muitas consciências da nação. O transmontano seria, nesse sentido, a projeção da dimensão mais telúrica, rústica e instintiva do ser português, em contato intenso com um idealizado húmus nativo.

A poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner, companheira de geração, usando de ironia carinhosa, o caracterizava como “um contemporâneo de Hesíodo”, ressaltando nisso a aparente ancestralidade de sua expressão artística, que evocaria uma atemporalidade sem medida, negando-se aos imperativos das mudanças que o tempo traz. Porém, essa mesma obra se abre ao contemporâneo da constatação da perda do paraíso num mundo que teria matado a espiritualidade e a transcendência ao rebaixar, por força das desigualdades sociais e do totalitarismo, os homens à condição de feras à busca de uma sobrevivência sem porquês. De todo modo, a sua busca artística parece ser, ao fim de tudo, pela reconstituição de valores possíveis num mundo de poucas possibilidades.

Vertente telúrica
Num primeiro olhar, sua obra literária se nos mostra impregnada da expressão vital (uma certa “filosofia de vida”) e, mais importante, da dicção dos transmontanos em sua relação de conflito e incorporação ao espírito do lugar. Em seus contos, a serrania de Trás-os-Montes e seu infinito abandonado nas escarpas cobertas pela modéstia rude e doce das urzes (torgas) seriam também a projeção de um mundo genesíaco perdido e atemporal, metáfora de um mítico ponto de partida ao qual sempre se há de retornar, em nome de uma idealizada recomposição da verdade essencial da condição humana em seu diálogo mais direto com o natural. O inexistente limite entre a vivência dos homens e o primado do natural foge do elogio ao primitivismo e à “cor local”. Filia a obra de Torga à vertente telúrica de uma arte mais sensorialista do que racionalista, e o faz pender para as manifestações do literário que reprocessam a figura do narrador ancestral, descrito por Walter Benjamim em um de seus textos clássicos. Narrar é, assim, também testemunhar e transmitir, por meio do ato comunicativo dirigido com grandeza à “comunidade”, as experiências fundantes de uns heróis tão limitados quanto gigantes em sua contradição. A ambição é a de exaltar uma sabedoria verdadeira, transmitida de geração em geração e que possuem os seres simples que suam, têm fome, sede, desejos, heróis despretensiosos do dia a dia, criaturas modeladas pelo meio físico, numa ligação poética com esse meio.

Com seu estilo castiço e vigor apolíneo, a prosa de Torga tem, via de regra, uma estrutura tradicional, com o predomínio da voz narrativa pressuposta, refletindo a preocupação com a história bem contada e das personagens bem definidas. O narrador surpreende as personagens num certo momento decisivo de suas vidas. Confere a elas um instante de grandeza ou flagra-as na sua pequenez cotidiana. Em Bichos, por exemplo, Torga exercita um diálogo com a forma ancestral da fábula, compondo narrativas curtas, protagonizadas por animais, que fazem alusão aos humanos, satirizando-os ou ensinando-lhes por meio de vivências exemplares. O sentido pedagógico e moralizador das fábulas tradicionais advém, como se sabe, da simplicidade de estilo, das intenções claras , da mensagem resumida em “máximas” que encerram a “moral da história”.

É certo que sua criação segue uma tradição marcadamente lusitana de remoer uma constante interrogação sobre o absoluto e sobre a relação entre homem e Deus. Contudo, em suas fábulas, Torga parece querer, mais do que moralizar, lançar dúvidas, abalar certezas e refletir sobre os sentidos de uma moral que se impõe sem a baliza de uma necessária crítica. Para além da impressão enganosa de um certo maniqueísmo no universo de valores informado por suas narrativas, Torga concebe criaturas ficcionais movidas pelo instinto e pelo sonho. A encarnação de idéias antagônicas — bondade e vilania, pureza e egoísmo e outras assim — é menos esquemática do que faz supor a simplicidade (no sentido de clareza, não de desleixo) da sua expressão. Nisso, o “didático” de suas narrativa tangencia, por vezes, a insubordinação, ou no mínimo o ceticismo. Talvez isso se deva ao fato de haver em seu itinerário artístico, com os acidentes que viveu em sua história pessoal, uma constante filosófica: o respeito pelo mistério do que há de fascinante na vida, uma exigência de grandeza que, no plano social, toma a forma de um imperativo de justiça e, no plano metafísico, chega à orgulhosa insubmissão ao próprio Criador — que simbolizaria, mais que o conceito geral do Deus judaico cristão, a grandeza inalcançável de um “destino” maior diante do qual a vontade humana e a autonomia de nossos passos no mundo são sempre diminuídos. Isso é alegorizado na luta vitoriosa de Vicente, o corvo que dá nome a um dos contos mais famosos do livro Bichos.

O enredo recria o mito bíblico do dilúvio e da construção da Arca pelo patriarca Noé, e centraliza a ação no que vivencia o pássaro que, passados os quarenta dias, é o emissário da notícia do fim do castigo divino que havia dizimado a humanidade e as outras formas de vida para livrar a Terra do pecado. Vicente, indo além do que sugere a narrativa bíblica, manifesta desde o início sua revolta contra o que entende ser a prepotência de Deus no confinamento a que submete os viventes em nome da purificação. A ânsia da liberdade — sinalizada pela urgência da fuga — vence, ao fim, o instinto da própria conservação, e Vicente abandona a segurança da Arca (onde, mais do que o sentido de “salvação” proposto por Noé, que seguia sem contestação o plano de Deus, ele via o aprisionamento e o exílio em relação ao mundo) para enfrentar a imensidão do mar, até o ponto de, com muita dificuldade (o custo da liberdade), fazer o Criador desistir de castigá-lo. Nota-se nesse enredo de estruturação alegórica, alimentado pela simplicidade ambígua de uma sentença latente em favor da idéia geral de valorização do empenho em favor da libertação de toda tirania — mesmo da que se esconde sob os discursos de “salvação” — um impulso missionário que anseia restituir a humanidade do humano.

Luta inclemente
Com efeito, se é possível divisar em seu universo literário a placidez de uma procura pelo que ensina a montanha em sua paciência superior, também cabe em suas letras o que ensinam os cimos transmontanos a respeito da resistência e da insubmissão, sendo, nesse sentido, as torgas de seu nome o polissêmico indicador de uma concepção do humano como resultado de uma luta inclemente com o mundo e seus desmandos. Sua visão do destino dos homens é de um pessimismo implacável, ao mesmo tempo em que entende a condição humana e sua fragilidade com admiração deslumbrada, compaixão e ternura. Há um sentimento de fraternidade que confere à sua crônica serrana o valor dum protesto indignado. Pode-se cogitar que, para Torga, há uma correspondência entre a idéia de força que sugere poeticamente essa vegetação serrana com que quis se nomear e a atuação do artista, criador da instabilidade necessária às transformações em todas as esferas do viver.

Igualmente polissêmica é a referência ao mito de Orfeu em um de seus poemas mais conhecidos, Orfeu rebelde, no qual proclama:

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam os rouxinóis…
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

O crítico David Mourão-Ferreira vê na atuação e na experiência artística de Miguel Torga a “reencarnação de um poeta mítico por excelência — daquele que vive na intimidade das forças elementares (a terra, o sol, o vento, a água) para celebrá-las com o seu canto — e alto exemplo de constante rebeldia, numa atmosfera que pretende asfixiá-lo”. Evocando Rousseau, em sua poesia as forças da natureza — no que têm de pureza e de santa revolta — se impõem eticamente sobre os limites ditados pela cultura e pelo controle social. A concepção de poesia vislumbrada na sua reflexão metalingüística e confessional em Orfeu rebelde é a que celebra o primado da inspiração e da transcendência do ato criador, por meio do qual se redime a queda do humano. O poeta (que também é profeta e pastor) é porta-voz e encarnação da elevação órfica, feita da modificação do entorno, com a transubstanciação das coisas e da vida a partir do que ele canta em sua contradição (terror e beleza, humanidade e super-humanidade, talvez). A máxima pretensão do canto de Orfeu é, na descida ao inferno (que, para Torga é, paradoxalmente, feita de uma subida ao monte primordial de sua origem), ressuscitar a poesia e com ela (na sua força essencial) fazer ressuscitar o que está morto, como no mito o poeta quer fazer com sua amada Eurídice.

A defesa da liberdade constitui, em linhas gerais, um dos temas fortes na obra de Miguel Torga, sobretudo a liberdade entendida como experiência interiorizada e fruto de uma construção do ser em si. Exemplifica esse pensamento o poema Liberdade, cujo eu lírico constata a dimensão especial e complexa do sentido de sua busca, e acaba por concluir:

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Não se pode deixar de constatar que, tanto ideológica como esteticamente, a obra de Torga viceja num ponto onde tradição e modernidade estão em conflito e correspondência. Indo além da mera situação temporal e das fragilidades classificatórias feitas com base na aproximação de indivíduos contemporâneos, vê-se em Torga o Modernismo na busca de uma expressividade livre, potente, auto-consciente e que busca, mais do que o retrato do real, a intervenção crítica nele, com o que isso tenha de limitador ou transformador das estruturas de pensamento e comportamento de uma época. Além disso, é modernista a exaltação do homem livre ou libertado da tirania que, por ser real e forte (Salazar, o Estado Novo, a Pide [Polícia Internacional e de Defesa do Estado], as classes dominantes que os apóiam), pede um “canto” que a combata e projete um futuro de reconstrução tendo por horizonte as noções de democracia e socialismo. Contudo, na renitente exaltação utópica de uma singeleza que busca resistir à degradação criada pelo “moderno” — o individualismo, o apagamento do passado, a morte da natureza em nome do progresso, o emudecimento da voz do narrador ancestral e seu saber aldeão feito de experiência mais do que de ciência — Torga se afina com criadores portugueses pré ou anti-modernos marcados pela melancolia passadista.

Emblema
Mas a pergunta cabível na análise de seu perfil é se esse encontro de pressupostos estéticos e existenciais aparentemente inconciliáveis (do qual resulta uma dialética rica e não uma implosão decorrente do conflito) não seria o emblema dos embates do modernismo português, com suas tendências incongruentes e complementares nos anos da sua afirmação. A idéia do moderno em Portugal é assombrada por uma série de contradições que advêm, para além de conjunturas históricas pontuais, da tensa relação da intelectualidade do país (ou do próprio ethos nacional) com o contexto geral do continente europeu e seu poder de atração e repulsa numa época em que se afirma o imperativo do progresso do capitalismo industrial, que para Portugal era difícil acompanhar. De um lado, celebra-se o isolamento e a grandeza mítica do passado — qualquer passado, um passado geral, no qual Portugal prescindiu da Europa — como sinais de força e resistência cívica, mesmo que ao preço do elogio do atraso, o que talvez explique por que naquele país o século 19 tenha sido mais “longo” do que deveria. Curiosamente, quer-se defender — e os melhores criadores até conseguem — a modernidade desse olhar retroverso, numa escrita que apela, sem receio, ao modelo romântico e apenas o reprocessa no retrato das mazelas humanas do século 20.

De outro lado, emerge naquele mesmo século um discurso crítico de negação do mito da autonomia e da grandeza para sempre perdida e a urgência de captar (antropofagicamente?), por meio das vanguardas, o sentido de futuro informado pela necessária influência vinda da “Europa”. Trata-se de uma encruzilhada cultural a que estiveram, desde sempre sujeitos os mais brilhantes artistas modernos portugueses desde, pelo menos, a geração de Orpheu, embora as raízes de tudo sejam mais fundas.

Há que se salientar, indo além da facilidade das classificações a priori, que em sua escrita prolífera, Torga encarnou a figura de um artista à procura da auto-suficiência na medida do que é possível essa utopia. A maturidade e o envelhecimento do autor (que testemunhou, até a morte, em 1995, as mais dramáticas transformações por que passaram a arte, o seu país e o mundo no século passado) processaram em sua recepção um fenômeno ambíguo: Se nos anos iniciais de sua escrita, por força das dificuldades materiais de edição e pelos limites à livre expressão impostos pelo regime ditatorial, o autor vivia um relativo isolamento opcional, feito da eleição de um rico complexo de temas que não queriam a facilidade da comunicação com qualquer público, no fim da vida Torga era celebrado como voz do “autêntico” e da grandeza ética traduzida em alegorias que retratavam o imenso das misérias e riquezas do humano numa escrita tida como “universal”. Nessa época, a publicação por editoras importantes e as premiações por seus livros eram triviais. Contudo, em sua reflexão a respeito da evolução dos acontecimentos de sua trajetória, que o tornaram, merecidamente, a figura acabada e reconhecida de um dos principais autores portugueses, Torga seguiu sempre a preferir o isolamento, assumindo-se como voz de um mundo perdido, em nada comparável ao mundo promissor e perigoso do Portugal “europeu” e globalizado (contra o qual, até o fim da vida, ele se debateu), ao mundo da tecnologia que mecaniza as nossas ações e nos escraviza, ao mundo do progresso material visto como único destino aceitável de nossas construções. Na verdade, quanto mais buscava exprimir a recusa a esse mundo e a esse tempo — enfatizando sua preferência pelos “bem-aventurados” longamente celebrados em seu eterno sermão da montanha —, mais os filhos desse mundo novo e precário o procuravam, entendendo, com razão ou não, sua obra como a reserva de uma literatura essencial em um cenário de fraudes e celebridades editoriais de maior valor comercial do que artístico.

Talvez sintetize a possível resposta, entre amarga e generosa, de Torga a seus leitores, os de antes e os de hoje, o que afirma na dedicatória do prefácio do livro de contos Bichos:

És pois, dono como eu deste livro, e, ao cumprimentar-te à entrada dele, nem pretendo sugerir-te que o leias com a luz da imaginação acesa, nem atrair o teu olhar para a penumbra da tua simbologia. Isso não é comigo, porque nenhuma árvore explica os seus frutos, embora goste que lhos comam. Saúdo-te apenas nesta alegria natural, contente por ter construído uma barcaça onde a nossa condição se encontrou, e onde poderemos um dia, se quiseres, atravessar juntos o Letes, que é, como sabes, um dos cinco rios do inferno, cujas águas bebem as sombras, fazendo-as esquecer o passado.

Marcelo Franz
Rascunho