Ma che cazzo! Antes que o leitor se ofenda com meu rompante em outra língua, devo dizer que ele faz sentido. Como um bom latino (ou pelo menos hábil na leitura desse nosso português), o leitor sabe que tais palavras proferem-se apenas quando há algo que realmente foge à explicação, para o bem ou para o mal. Claro, colocando-se o ma che antes do palavrão, temos um sinal de indignação com algo que nos espanta. No Brasil, diríamos com mais propriedade, mas que m… Em todo o caso, não viemos aqui para discorrer sobre palavrões em outras línguas, ainda que sejam bem mais sonoros e gostosos de se falar que os nossos.
Estamos aqui para comentar o trabalho de Maria Célia Martirani, o livro Para que as árvores não tombem de pé | Affinché gli alberi non cadano in piedi. E já no título paramos para exclamar, ma che cazzo! Porque a autora tomou a decisão de escrever sua obra em português e, em algum momento, verter tudo para o italiano? Lógica mercadológica não é, pois o livro tem o dobro do tamanho que é necessário e não faria sentido enviá-lo à comercialização na Itália dessa maneira. Também não é para agradar os descendentes de italiano que vivem no Brasil. Poucos deles ainda falam suas línguas natais, e quando digo línguas é porque muitos deles falavam em dialeto, em especial o vêneto, e não sabem ler em italiano oficial. Agora, se a autora queria mostrar sua habilidade com dois idiomas, aí vemos apenas a vaidade em jogo, pois não faz nenhum sentido termos as páginas ímpares em português e as pares em italiano. Enfim, lá está Para que as árvores não tombem de pé | Affinché gli alberi non cadano in piedi para que o leiamos na língua que nos aprouver.
Claro, talvez fiquem incomodados com o preciosismo e a demonstração das virtudes da autora apenas aqueles que falam os dois idiomas. Nesse caso, há sempre a possibilidade de se checar na outra língua o que se está dizendo em uma. Nessas idas e vindas entre as palavras, descobre-se, por exemplo, que no português a autora acaba escorregando em umas vírgulas, ou colocando-as a mais ou esquecendo-se delas, e que no italiano, em alguns casos, a tradução das expressões brasileiras acabou saindo meio forçada, algo como dizer andiamo a tritare l’asino, quando se quer dizer vamos picar a mula. Divertido, mas errado. Um exemplo claro é quando a autora, em parceria com Carlo Baldessari, traduz palavra a palavra a tradicional canção natalina Toca o sino pequenino… do português para o italiano, na narrativa Natal. Suona la campana piccolina? Nunca ouvi, pode até ser que exista, mas está estranho…
Referências
Existe um outro obstáculo a ser superado antes de conseguirmos aproveitar o livro. A autora tem uma necessidade (insegurança?) de referenciar cada narrativa curta sua com alguma coisa dita ou cantada por alguém. Todo início de texto traz um poema, uma frase, um pensamento, uma citação, de algum outro autor, uma tentativa de talvez dar mais referências para o que está sendo escrito, uma necessidade de dizer ao leitor que ela leu também bastante. Isso não é necessário. A não ser que a própria autora não tenha fé em seu potencial, e aí a máscara da erudição torna-se necessária para esconder os problemas com o restante do texto.
O trabalho de Maria Célia tem alguma atração. A escolha feita por ela é complicada. Quando a autora resolve desnudar a natureza humana de uma maneira lírica, mas sem usar a poesia, corremos o risco de termos várias frases de efeito, algumas imagens bonitas (eventualmente marcantes até, como a descrição da vingança do menino malvado contra o macaco no zoológico, algo que faz a pessoa largar o livro para pedir perdão pela ignorância da humanidade), mas uma grande miscelânea de pensamentos meio que forçados para tentar colocar o cotidiano, as agruras da vida em verso proseado. É esse lirismo um tanto quanto atravessado que impede que o livro tenha um andamento melhor.
Para que as árvores não tombem de pé é um livro aquém do mediano, com mais pontos fracos que fortes nas 41 narrativas. Os dois primeiros textos — O rosto da página e Página sem rosto — são praticamente um convite para que deixemos o livro de lado, já confusos com a necessidade de sempre pular as páginas pares para seguir o texto. Há alguns momentos acima da média, como O mapa da Normandia e Pro-vocação, o mais longo do livro. Mas são poucos, e pouco marcantes. Ao fim e ao cabo, non ha puzza nemmeno odore (traduções podem ser vista no Ultralingua, na internet). Ma, cazzo, perchè scrivere anche in italiano? Non c’era bisogno…