Nu entre nuvens, estréia de Reynaldo Damazio, corresponde a uma poética da suspeita. Depois de circular como e-book, é relançado pela editora Ciência do Acidente, acrescido de dez peças. O livro fomenta a troca de informações entre poesia e crítica. Assenta um patamar de desconfiança com os mitos, de mordacidade com o sentimentalismo e as convenções afetivas, derrubando possíveis chantagens catárticas e lições literárias. “O ofício/ de tecer signos/ não é o ideal/ mas indício.” Sem ocultismo ou culto ao poético, simplesmente debocha. Desmistifica a inspiração. O poema aparece como território minado. Não se encontra a metalinguagem tradicional, de um escritor titubeante sob o pânico da herança, mas a desenvoltura de quem aceita a definitiva orfandade e escolhe se inundar de incertezas e desabrigar a teoria. O crítico colabora para que o poema não tenha o excesso descritivo e o poeta favorece o desbaste intelectual. “Cada vogal, uma vaga.” Nesta mútua colaboração, a artilharia é aberta e livre, disposta em coloquialismo ácido. Damazio está no front dos que se permitem uma poesia comunicativa, nunca simplista, devota da alta velocidade. “Penso, logo minto” e “livrar-me do que é impossível sentir” são versos que conceituam um sentimento de pensamento, em vez de apenas pensar o sentimento Ele dispensa a apologia do objeto artístico, acentua o atrito entre o que fere e o que fala, desmontando frases feitas. O auto-sarcasmo ganha sentido com o jogo semântico, versos curtos e sucessão de símiles e metonímias. Não há dogmas e sentenças, o caminho é sestear na encruzilhada. “O instante de ser/ mais que a flor e/ menos que o nome”. Amplifica a lição de João Cabral (“nem perfumar a flor, nem poetizar o poema”), experimentando uma posição autoral intermediária. Ser o que nega, o que zomba. Com senso do ridículo, escapa da encenação. “O idílio e/ o ridículo/ dão no mesmo”. O poeta dedilhando “a harpa de nervos”, é espectador da descrença.