Em mais de 40 anos de intensa vida literária, o mineiro Joanyr de Oliveira vem sendo reconhecido como poeta, cuja produção capitaliza não só a atenção da crítica, mas prêmios em diversos concursos. Autor de mais de uma dezena de livros, organizador de antologias e incluído em outras aqui e no exterior, é pioneiro de Brasília, onde chegou ainda na cidade em construção e integrou a primeira leva de funcionários graduados que compuseram o staff da administração recém-instalada na Nova Capital, ao lado de outros escritores como Almeida Fischer, Cyro dos Anjos, Augusto Frederico Schmidt, Alphonsus de Guimaraens Filho, Lina Tâmega del Peloso e Anderson Braga Horta.
Joanyr não surpreende ao lançar, só agora, estes contos, pois, cioso de seu processo criativo, considerou o seu amadurecimento no campo ficcional e o trabalho emerge com a mesma qualidade e rigor de seus poemas. Arquitetura dos dias mostra o alto nível de um escritor, cuja escritura reflete mais que a responsabilidade estética do criador, mas um compromisso ético com a forma e a linguagem.
O livro é segmentado em oito partes, enfeixando os contos de acordo com a atmosfera psicológica, representação e unidade temática: Verdes veredas, Quase místicos, Amor e desamor, Má fé, vera fé, Mistério & morte, Coração de mulher, Imigrantes e outros contos. Em todos eles, o narrador é o menino, este transplantado no autor, que foi buscar no passado e na sua ancestralidade (nasceu em Aimorés em 1933) matéria para a confecção de uma prosa refinada, que faz uma cuidadosa cartografia da infância. São as visões sobre um universo distante física e cronologicamente, mas que no inconsciente nunca perdem sua carga de atualidade e nesse trabalho é recambiado, sem qualquer pieguice ou vício sentimental.
Os contos de Joanyr procuram a transcendência daquele ambiente telúrico, povoado de mitos, sentidos e mistérios. E se lança a um exercício de escafandrismo e poesia, não só para penetrar as entranhas de um passado lúdico que insiste em manifestar na memória, esse território nômade e indulgente, mas para entender os seus símbolos e sua repercussão no adulto. Consegue, com elegância vocabular, construir uma literatura sutil, com lirismo e densidade sobriamente trabalhados, emprestando aos episódios, situados entre a invenção e a memória, um sopro humanista. Percebe-se, ainda, um viés reflexivo sobre os rumos da vida moderna, época de valores e sentimentos bastante fragilizados ou ausentes, como fraternidade e amor, esperança e sonho, fartos naqueles tempos e mundos, em que havia lugar para os gestos simples e as expansões do espírito.
São muitas as vozes que convivem nesse painel reconstruído pelo autor, mas sempre há o menino que viu e agora conta. Embora circunscreva esses contos no imaginário pessoal e coletivo, o autor suplanta as fronteiras psicológicas, etárias e geográficas, projetando-se um olhar novo, distanciado da melancolia e de outros apelos nostálgicos, conferindo um caráter de universalismo às histórias. Ao final do livro, fugindo ao ambiente das percepções do menino, que impingem um caráter autobiográfico, são acrescentados alguns contos em que Brasília é cenário e fonte de inspiração, a partir de episódios reais ou não, marcando a profunda relação do autor com a Capital, extraindo matéria de uma cidade que já tem um vasto imaginário.
A linguagem de Joanyr reprisa o rigor estético de seus poemas, nítida sua preocupação com a economia de meios, a contenção, o burilamento, algo muito próximo do artesanato, evitando as gorduras de estilo, os modismos, o experimentalismo requentado ou as vanguardices. Arquitetura dos dias é um livro em que a vida está presente em toda sua natureza, com suas metáforas, sua ternura e seu realismo.