Meu amor é um livro composto de textos marcadamente descritivos. Imagens mentais pseudo-trágicas são recorrentes; parecem querer afogar o leitor em sangue ou outros elementos que sugiram morbidez.
A linguagem apelativa visando a dramas que não se concretizam enfastia o leitor, que nada encontra além de narrações vazias de sentido. Na seguinte passagem, temos uma verbalização do que afirmo: “Eu nunca fiquei tão mal, nunca corri nenhum risco de vida, por isso, talvez, penso em soco, sangue, desastre. Por isso, talvez, na sala de espera da UTI, consegui pensar em você dentro de mim, rir e sentir prazer…”.
Elucubrações verbais tentam dar conta de sentimentos e poesia, mas caem na imitação grotesca da dor e do prazer. A passagem abaixo representa certo glamour contemporâneo: apelo à metalinguagem como forma de se mostrar atual, profundo, inovador:
Quando não temos corpo, tudo tem que ser dito com palavras organizadas em frases com vírgulas e pontos, palavras em seqüências completas, e desse modo se perde a pré-existência dos sentimentos que na vida não chegam a se formar em palavras.
Cair no pseudo-original é um risco que corremos quando trabalhamos com as matérias-primas da literatura: vida e linguagem. No caso do livro de Beatriz Bracher, temos borrões que falseiam imagens. Imagens que, na verdade, não existem, nem pré-existem, não nasceram ainda, porque não foram geradas. Não houve cópula, nem mesmo inseminação artificial, mas apenas masturbação literária.
É doloroso reconhecer isso. Pior ainda, afirmar isso. Mas, diante dos fatos, não há saídas suaves. A falta de autocrítica por parte dos autores, o desinteresse em priorizar o trabalho de criação, a busca esquizofrênica pela visibilidade, pela publicação, o desejo de ser badalado, têm dado à literatura brasileira um cenário deprimente.
As críticas, em geral, não são aprofundadas e se alinham ao modismo ou aos discursos de marqueteiros que, em vez de escreverem, passam a vida a se promover, ganham espaços na mídia e ditam tendências, verdades e mentiras, obviamente.
No texto João, o narrador é didático e lugar-comum. Trata-se de um personagem pobre e que tem bons resultados nos estudos. Isso lhe garante acesso à leitura e possibilidades de reflexão sobre sua realidade. Em vez de explorar a riqueza de um personagem como esse, a autora passa batido sobre a pele do coitado e a cobre com imagens apelativas, como se pode perceber na passagem a seguir:
Na frente dela estava eu machucado, sem conseguir me levantar. Eu sangrava, era provavelmente uma pessoa muito feia, medonha mesmo, uma pessoa horrível, mas o medo dela era do sobrenatural. Quando meu entendimento alcançou o seu medo, fiquei com medo também, como se eu tivesse me transformado em uma ratazana gigante, com dentes afiados e olhos de demônio, fiquei aterrorizado comigo e, acuado pelo medo dela, não havia como pular fora de mim. Uma ratazana esquelética, a cabeça raspada, os pêlos imundos de sangue e com rabo pelado; era eu nos olhos dela… Sinto por minha mãe. Não quero que tirem a culpa que tenho; ela é minha. Tenho uma vontade sem fim de morar em outro país, de me chamar Uélinton e não João.
Quem conhece as classes sociais brasileiras mais desfavorecidas sabe muito bem que o nome João está ausente nessa população e que Uélintons são muito comuns. Portanto, há um erro crasso nessa abordagem, o que machuca nosso coração marginal.
Não se pode querer colocar palavras na boca dos marginais. Eles têm sua própria linguagem. Quem se meter a retratá-los deve fazê-lo com conhecimento de mundo, pesquisa e sensibilidade para pintar com cores verdadeiras as almas malditas que circulam pelos becos brasis.
O livro de Beatriz Bracher, Meu amor, não traz nada que se possa considerar belo. O grotesco e o pretenso cult dominam as cenas e, convictos de seus transcendentalismos, jorram sangue transparente.