Mapa poético do Brasil

Primeiros volumes da coleção Roteiro da Poesia Brasileira trazem os mais importantes autores do Arcadismo, Parnasianismo e Simbolismo
01/10/2007

A coleção Roteiro da Poesia Brasileira, dirigida por Edla van Steen, vai dedicar 15 volumes a poetas desde a colonização aos anos 2000. Em cada volume, um especialista selecionará os poetas mais representativos da época em questão e fará um estudo introdutório da geração. Os primeiros títulos publicados são: Arcadismo, selecionado e prefaciado por Domício Proença Filho; Parnasianismo, por Sânzio de Azevedo; e Simbolismo, a cargo de Lauro Junkes.

Arcadismo
É o mais didático dos lançamentos. Domício Proença Filho, além de professor universitário, lecionou Literatura Brasileira e Língua Portuguesa em diversos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. É notório o teor pedagógico do seu prefácio. Nele, ficamos sabendo que o Arcadismo brasileiro foi um movimento mineiro integrado pelos poetas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, José Basílio da Gama, Frei José de Santa Rita Durão, Manuel Inácio da Silva Alvarenga e Domingos Caldas Barbosa — todos selecionados pelo professor —, que teve influência do Iluminismo e do Neoclassicismo e com ressaltada ausência do anticlericalismo.

Proença Filho conta que a designação, Arcadismo, é fruto de uma agremiação chamada Arcádia, fundada em 1960, em Roma. Tudo começou com a rainha Cristina, ex-soberana da Suécia. A rainha brigou com o pai e foi morar na Itália, passando a promover reuniões de cunho científicos e literários. Com a morte de Cristina, os participantes das reuniões fundaram a agremiação.

No volume, descobrimos que as famosas Cartas chilenas são mesmo de autoria de Tomás Antônio Gonzaga. O árcade denominado Dirceu; do belo poema Marília de Dirceu:

Lira XIV

Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos deuses
Sujeitos ao poder do ímpio Fado:
Apolo já fugiu do céu brilhante,
Já foi pastor de gado.

Parnasianismo
Sânzio de Azevedo nos apresenta dezenove poetas parnasianos, dentre eles duas mulheres: Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Olavo Bilac, Vicente de Carvalho, Luís Delfino, Luís Guimarães, Machado de Assis, B. Lopes, Artur Azevedo, Augusto de Lima, Francisca Júlia da Silva, Guimaraens Passos, Emílio de Menezes, Júlia Cortines, João Ribeiro, Magalhães de Azevedo, Martins Fontes, Humberto de Campos e Olegário Mariano.

Apesar de pedagógico, o prefácio de Sânzio de Azevedo, é menos professoral. Prima também pelas referências e peculiaridades. Conta que no século 19, na França — onde, como diz Sânzio, teve início o Parnasianismo com a coletânea Le Parnasse contemporain, que reuniu 37 poetas franceses, entre eles Baudelaire, Verlaine e Mallarmé — ser taxado de parnasiano podia ser até ofensivo.

Fala da santíssima trindade parnasiana: Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac, que foram chamados de esteticistas do mau gosto; das críticas de Mário de Andrade a essa trindade e a Vicente de Carvalho e Francisca Júlia da Silva, se redimindo mais tarde num texto de 1924, em que elogiava os parnasianos.

Tudo leva a crer que o Parnasianismo no Brasil tenha se iniciado tarde e que por isso durou mais do que se poderia prever. Fazendo frente ao Modernismo.

O prefaciador coteja as datas dos livros de poesia que pontificaram a Escola Parnasiana no país, chegando à observação de Afrânio Coutinho, segunda a qual há muito não existe mais a idéia de um movimento terminar quando outro tem início.

Sânzio diz ter selecionado para o volume poemas ortodoxos e não-ortodoxos e que todos os selecionados são legitimamente parnasianos. Concordo com a seleção. Mas não posso me furtar de chamar atenção para a inclusão de Machado de Assis, que figura na seleção por seu currículo de maior ficcionista brasileiro e por ter sido membro fundador e primeiro presidente da ABL. Não é ele um poeta exponencial, como classifica Sânzio de Azevedo, do Parnasianismo. Seus versos não têm sequer a ironia dos de Emílio de Menezes:

Epitáfio

Morreu depois de uma sova
E como não tinha campa,
De uma orelha fez a cova
E da outra fez a tampa.

Simbolismo
Lauro Junkes selecionou 24 nomes para o volume que contempla o Simbolismo, dispostos pela cronologia do nascimento: Cruz e Sousa, Araújo Figueredo, Emiliano Perneta, Nestor Vítor, Mário Pederneiras, Dario Velozo, Alphonsus de Guimaraens (autor do famoso poema Ismália, constante da seleção), Pethion de Villar, Severiano de Resende, Silveira Neto, Carlos Fernandes, Auta de Sousa, Pereira da Silva, Narciso Araújo, Saturnino de Meireles (desenvolveu rara dedicação ao Poeta Negro, pai do Simbolismo Brasileiro, Cruz e Sousa), Marcelo Gama, Maranhão Sobrinho, Érico Curado, Durval de Morais, Da Costa e Silva, Pedro Kilkerry, Ernani Rosas, Eduardo Guimarães e Alceu Vamosy.

Seu prefácio, diferente dos dois primeiros, não traz notas de rodapé. Em contrapartida é o que tem mais citações. Desmente o senso comum que diz ser o Simbolismo um movimento francês. Foi um “movimento parisiense”. A Paris do final do século 19 foi a porta de entrada e saída de todo o Simbolismo europeu. Sendo Mallarmé a grande figura do movimento, influenciando depois os poetas Dada (que por sua vez influenciaram os concretos brasileiros), e os surrealistas.

No Brasil, o Simbolismo se instaura em 1893, com a publicação de Missal, poemas em prosa, e Broquéis, poemas em versos, ambos de Cruz e Sousa. Entretanto, o prolongado Parnasianismo estrangulou o movimento no país, que por mais adeptos, Junkes traça um quadro dos simbolistas em vários estados brasileiros, não rompeu com as “amarras” parnasianistas.

Cruz e Sousa foi realmente o maior simbolista do Brasil. O estudioso Roger Bastide intitula como a tríade do Simbolismo na literatura universal: Mallarmé, Stephan George e Cruz e Souza, autor de Acrobata da dor:

Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta…

Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! Retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d’aço…

E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.

Que venham os outros volumes. Os leitores agradecem.

Roteiro da Poesia Brasileira
Arcadismo
Org. Domício Proença Filho
Global
160 págs.
Roteiro da Poesia Brasileira
Parnasianismo
Org. Sânzio de Azevedo
Global
153 págs.
Roteiro da Poesia Brasileira
Simbolismo
Org. Lauro Junkes
Global
152 págs.
Cláudio Portella

É escritor, autor de Cego Aderaldo: A vasta visão de um cantador. Tem outros 12 livros publicados.

Rascunho