Mais uma porta aberta

“Antologia comentada de literatura brasileira” resgata autores pouco conhecidos e incita o gosto pela literatura brasileira
01/02/2008

A Antologia comentada de literatura brasileira, desenvolvida pelas professoras Magaly Trindade, Zélia Thomaz de Aquino e Zina Bellodi, compreende um esforço notável para o auxílio do professor de literatura brasileira nestes dias. Convém ressaltar, de antemão, a preocupação das autoras com a revitalização dos estudos de literatura brasileira, resgatando autores esquecidos ou pouco conhecidos pelo público atual. Esse trabalho arqueológico, fundamental para a compreensão e a discussão histórica da literatura, revela a seriedade e autoridade de uma antologia para os estudos literários. Como bem lembra Eliot, ao comentar a importância das antologias para os estudos literários e para a formação de novos leitores, a antologia é uma peça fundamental para lançar a isca de um determinado autor e de sua revelação para a leitura posterior, contínua e aprofundada.

A Antologia comentada de literatura brasileira resgata autores como Manuel Botelho de Oliveira (1636), praticamente desconhecido do público contemporâneo, e incita ao leitor o gosto pela literatura brasileira, desde a época de sua formação colonial.

Os textos apresentados (fragmentados ou não) trazem logo abaixo algumas possíveis deduções textuais, com sínteses formais e algumas especulações referenciais. As sugestões para leitura promovem, logo de início, a relevância do estudo vocabular como etapa básica e gradualmente vão conduzindo o leitor ao desenvolvimento de um raciocínio mais abstrato. Nota-se que a preocupação com a elaboração de um material didático, acessível, não abandona, em nenhum momento, a importância e relação complexa existente entre fenômenos literários. Essa idéia é claramente esboçada no capítulo dedicado ao estudo do chamado período Barroco, em que as autoras recorrem às divisões periodológicas tradicionais, mas sem lançar mão de sua instituição precária frente aos impasses literários :

A divisão de autores, evidentemente, é, até certo ponto, precária, já que é comum o fato de que alguns deles extrapolam seu próprio período, ou não correspondem às características de sua época.

O esboço da complexidade para a divisão autoral vai aos poucos fazendo emergir a apropriação que se faz de determinados autores na modernidade e a importância de um estudo mais amplo, envolvendo questões históricas e estéticas de cada época.

Para a apresentação do período romântico, por exemplo, as autoras utilizam uma perspectiva comparada extremamente frutífera. A tensão entre a literatura inglesa, a alemã e a brasileira promove explicações curiosas, sínteses rápidas, mas muito bem elaboradas em sua natureza. Apesar do trato dado pela antologia ao movimento, que sem dúvida não é de natureza eminentemente teórica, o tema abordado jamais recai em simplificações pouco engenhosas ou simplistas.

O período romântico vê-se também invadido por nomes atualmente pouco encontrados nos livros didáticos como Maciel Monteiro, Francisco Otaviano, José Bonifácio (o moço) e Laurindo Rabelo.

O estudo de autores consagrados, entretanto, não é de menor importância, uma vez que ressalta aspectos que têm sido esquecidos nos manuais de ensino e principalmente pela crescente simplificação das informações “rápidas” ou mascaradas por um “didatismo redutor”. Um exemplo claro desse aspecto é a incursão da antologia sobre a faceta cômica de Álvares de Azevedo, veja-se o poema Namoro a cavalo, reiterando ao leitor a multiplicidade criativa de um autor que, sem dúvida, tencionou os limites entre o cômico e o trágico. Nessa perspectiva, o leitor encontra o esboço de um poeta que apesar de estabelecer-se como uma das fontes brasileiras do mal do século, soube extrair do cotidiano boas doses de ironia.

Convém salientar, entretanto, neste breve percurso de leitura, o período que compreende os autores do século 19 e os modernistas. Em primeiro lugar, a separação entre o movimento parnasiano e o simbolista é traçado por uma perspectiva de lugar, inserido nas entrelinhas da história nacional e na formação de uma literatura eminentemente brasileira — “No Brasil a distância que separa românticos, parnasianos e simbolistas é tênue”. Apesar da separação de determinados escritores, as autoras fazem questão de esboçar a dificuldade para tal feito, bem como a precariedade de uma linha contínua e esteticamente estável no que diz respeito aos últimos anos do século 19. O parnasianismo brasileiro é revisitado, uma vez que como as próprias autoras afirmam: “Os nossos parnasianos, via de regra, salientavam-se pela preocupação formal, mas estavam, em geral, sempre voltados para o sentimento e até para a fantasia”.

Nessa linha de raciocínio, o leitor encontra no esboço do período simbolista a tensão e uma tentativa de síntese das preocupações formais que foram gestadas durante a segunda metade do século 20. Na apresentação, mantém-se a exemplaridade da experiência de Baudelaire, especialmente com a idéia da “modernidade estética”, mas retomada em sua in-tensão e ex-tensão com a obra de Poe. A referência à Filosofia da composição é fundamental para que o leitor compreenda as linhas tênues mencionadas pelas autoras.

Nessa perspectiva, a Antologia comentada de literatura brasileira consegue impor-se como um manual didático que seleciona e conceitua os movimentos sem escapar à problemática teórica de sua inadequação e dos limites históricos.

Finalmente, chega-se ao ponto mais instigante desta proposta: a análise do período moderno e contemporâneo. Em primeiro lugar, o leitor encontrará, surpreendentemente, uma vasta referência de autores dos mais diferentes espaços brasileiros, bem como a tradicional presença de nomes consagrados. Essa tensão, constante em toda a Antologia..., caracteriza cronologicamente a presença de uma literatura “maior”, na perspectiva de autores já canonizados, e os ecos de uma literatura “menor”, na perspectiva de autores ainda por conhecermos (em alguns casos). Esse amálgama propicia ao leitor uma contundência informacional importante, uma vez que abriga o conhecimento da produção literária brasileira com base, essencialmente, na sua expressão “verdadeira”. Utilizo “expressão verdadeira” para refletir sobre um elo de ligação entre o ideal, enquanto fenômeno estético fechado, e as diferentes produções e vozes que distanciadas ou não deste mesmo ideal, assumem seu lugar nos mais variados espaços da literatura brasileira.

Dessa maneira, a Antologia comentada de literatura brasileira resgata valores tradicionais que firmaram e contribuíram para os estudos de nossa literatura, bem como aguça nosso olhar sobre as novas fronteiras críticas para a informação e formação de novos leitores.

Antologia comentada de literatura brasileira — poesia e prosa
Org.: Magaly Trindade Gonçalves, Zélia Thomaz de Aquino e Zina C. Bellodi
Vozes
583 págs.
Fani M. Tabak
Rascunho