Às vezes, resolvo fechar minhas mídias sociais por um ou três dias. Alguns amigos chegam logo no messenger para perguntar se tudo vai bem, se algo aconteceu. Tudo está sempre, dentro do possível, bem. Não aconteceu nada que não aconteça sempre, a não ser prazos apertados e o reconhecimento de que aquele desfile de projeções toma muito do meu tempo. Mas da última vez que saí um pouquinho daquele cenário para respirar, acabei perdendo a discussão sobre categorização e nomeação de preferências de leitura. Ou, a já conhecida, treta literária.
Quando uma amiga me contou do ocorrido, numa conversa de áudios de dez minutos cada — eu adoro áudios —, eu estava completamente por fora e, estranhamente, me senti feliz com a ignorância. Mas não fiquei à margem da história por muito tempo. Sou libra com ascendente em gêmeos e a curiosidade me come as entranhas.
Enquanto fui me familiarizando com o assunto e os lados daquela velha e gasta moeda, alternei em considerar duas coisas básicas: o crítico e professor Luís Augusto Fischer tem todo o direito de elencar suas preferências literárias, especialmente se foi perguntado por um jornal de literatura aberto ao diálogo e reflexão como este para o qual escrevo.
Listas são uma forma de selecionar e uma seleção existe como meio excludente. Aliás, vale aqui pontuar que não conheço o professor pessoalmente, mas estou atenta aos seus estudos sobre literatura brasileira, área na qual eu também atuo. Tenho respeito por ele ao ponto de escrever e publicar um texto refletindo sobre suas colocações.
Houve, porém, uma frase na sua entrevista que foi problemática. O que seria “evito ler o que há de ruim”? Se a frase foi dita exatamente assim, convenhamos, é uma infelicidade de colocação porque abre, como consequência, muitas questões que colocam em dúvida a independência e seriedade desse julgamento. Claro, como crítico e acadêmico, espera-se a abertura e acolhimento necessários para leituras independentes e sérias. Ou seja, se só é possível essa subjetividade de classificação como bom ou ruim de algo que já se realizou, então seria esse um movimento de fora para dentro e com uma dinâmica de influência e não de pesquisa? Estaria fundamentado o conceito de ruim como o que é ou não é publicado por grupos editoriais de prestígio ou ainda, escritores que fizeram o movimento da editora pequena para o grupo grande? Ou ainda, seria a leitura e suas tendências pautadas por revistas literárias de grande alcance ou opiniões em jornais de ampla circulação? Como é possível evitar ler o que há de ruim? Como se estabelece esse critério?
Eu li, durante este ano, livros indicados por amigos ou veículos literários e dos quais não gostei! São ruins? Claro que são, mas na subjetividade da minha classificação depois de ter feito a leitura. Ou seja, não dá para evitar ler um livro ruim porque a conclusão da qualidade ou não de uma obra só pode acontecer depois da leitura da mesma. Mas, às vezes, a gente se expressa mal.
Todavia, a grande discussão do Facebook foi mesmo a representatividade de gênero na lista. Ficou, de fato, complicado concordar com abrangência da leitura por conta do evitar ler o que há de ruim, mas também porque não vimos nomes de autoras brasileiras que são, de fato, excelentes. Basta ler para crer.
No seu ensaio Mulheres na ficção, com tradução minha, Virginia Woolf desenvolve essa questão da ausência das escritoras em elencos e seleções em períodos específicos, propondo que se preste atenção a algumas evidências históricas, mas também socioculturais. Apesar de citar um ensaio publicado em 1929, existe nele um comprometimento com o questionamento do que se entende — será inconsciente? — como natural. Woolf escreve:
É provável, porém, que tanto na vida quanto na arte os valores de uma mulher não sejam os mesmos valores de um homem. Assim, quando uma mulher escreve um romance, ela se encontra perpetuamente desejando que possa alterar os valores estabelecidos — para dar seriedade ao que parece insignificante a um homem, e trivial o que parece importante a ele. E por isso, claro, ela será criticada; já que o crítico do sexo oposto se sentirá de fato confuso e surpreso pela tentativa de modificar a escala de valores em vigência, e verá nisso não meramente uma divergência de ponto de vista, mas um ponto de vista que é fraco, trivial ou sentimental porque é diferente do seu próprio. Mas acontece que aí, as mulheres começam a se tornar mais independentes também em suas opiniões. Elas começam a respeitar suas próprias noções de valores. E por essa razão, os temas dos seus romances começam a mostrar alguma alteração. Parecem ser menos interessados em questões autobiográficas.
Talvez essa colocação do século passado, exponha a fragilidade na inclusão da escrita e da leitura. Já que se evita ler o que há de ruim e, em seguida, há uma seleção de vinte e um nomes de autores e três são autoras, talvez o desequilíbrio seja resultado de uma dinâmica que vem se arrastando e que, quando exposta, já não encontra o silêncio como comum acordo.
Claro, todos temos nossas preferências e por isso mesmo questionar e ponderar sobre essas listas — não para reivindicar uma cota, mas para tentar compreendê-las como traço de um passado que já não encontra espaço tranquilo sem ser incomodado —, pode ser o mais interessante agora. Afinal, evitar ler livros ruins e não mencionar os bons escritos Carolas, Veronicas, Vanessas, Renatas, Andreas, Marcelas, Carlas, Morganas, Paulas, Helenas, Anas, Marias, Natalias, Natércias, Julianas, Eltânias, Priscas, Daísas, Cínthias, Martas, Reginas, Lucis, Dirces, Cidinhas, Adrianes, Adrianas, Marílias, Noemis, Julias, Elianes, Francescas, Michelinys e muitas e muitas outras também nos aponta para o reconhecimento de uma mudança, desde antes dos tempos de Virginia, urgente.