Lirismo estranho

Resenha do livro "Música possível", de Fabiano Calixto
O poeta Fabiano Calixto, autor de “Civilização-lixo”
01/11/2007

Fabiano Calixto diz que sua poesia tem fases diferentes. Gosta de mudar sempre por ser inquieto. Afirma ser influenciado pela canção popular. Leitor apaixonado de João Cabral de Melo Neto. E com João Cabral, como observa, sua poesia ficou “mais dura, mais fechada, mais técnica”. Agora, Calixto adianta que sua poesia tornou-se antiliterária, até porque, como diz, não tem ambições literárias: “Às vezes trabalho com rimas, com métrica, mas é raríssimo. Estou todo tempo experimentando possibilidades diferentes de dizer o que quero dizer, ou até mesmo o que não quero dizer”. Sinaliza, digamos, uma queda pela poesia concreta, que de poesia não tem nada. Significa que poderá morrer como poeta. Será mais um tecnocrata da palavra. No caso de Calixto, será uma pena. Mas voltemos ao mundo.

Autor de Música possível, Fabiano Calixto esclarece que sua poesia possui um lirismo estranho, às vezes belo, às vezes duro: “A beleza e o grotesco me interessam em medida igual”, diz ele. O livro de Calixto é um livro de poemas e de poesia. Sabe o que deseja na vida, embora isso não tenha muita importância a esta altura de todas as coisas. O poema dedicado a Carlos Drummond de Andrade é uma palavra de afeto num poema que é de fato um poema: “Carlos, este abraço/ é quase uma chuva, é quase cinco horas da tarde./ é quase a biblioteca desarrumada./ esse abraço é quase/ um café esperando à mesa. É quase uma canção/ para papéis e cartas/ não escritas”.

Diga-se o mesmo do poema Antonio, de palavras medidas, no qual fala do rosto triste de seu pai: “um riso/ sem curvas/ (raso, digo)/ no rosto”. E também do poema Canção natural do mundo: “os dias passaram ausentes./ não nos muros./ o futuro, em disfarces,/ coube antipático sobre/ a linha do horizonte às cinco da tarde”. Acrescente-se a esse exemplo de poesia séria o poema E-mail a Murilo Mendes: “colibris, nos cílios do vento,/ bebem de rios inventados/ formigas vermelhas carregam lascas de pinho/ sobre a pele glacial de um arlequim morto”. A seguir, no mesmo poema, um lugar para o lirismo, embora o lirismo esteja proibido pelos tecnocratas da poesia brasileira: “poemas beijam a copa das árvores/ e, estas, em êxtase, estendem os ruídos do outono”.

Calixto confessa que, por muitos anos — assim como Manoel de Barros e Paulo Leminski — achou que a poesia era um inuntesílio. Certamente ainda acha, já que, como assinala, a poesia não interessa a quase ninguém. De qualquer maneira, isso pode estar mudando “de forma muito tênue, quase imperceptível, algumas visões do mundo”. Sente isso principalmente em nomes como T. S. Eliot. Seja como for, uma obra literária nunca será algo que não serve para nada: “Se for assim, ela é um mísero chiclete”, diz ele, acrescentando que, de alguma maneira, “a poesia muda a maneira de as pessoas verem a realidade do mundo”. Que seja assim, que seja o poeta que ele é um agente honesto de transformar a palavra, o poema, a música possível que ainda existe. Felizmente ainda existe.

Música possível

Fabiano Calixto
CosacNaify / 7Letras
96 págs.
Alvaro Alves de Faria

É escritor.

Rascunho