Lima Barreto: louco pelo Brasil

Mestiço de origem humilde, Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881
Lima Barreto, autor de “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”
01/07/2000

Mestiço de origem humilde, Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 1881, órfão de mãe aos seis anos, professora pública que lhe iniciara os estudos e filho de um tipógrafo da Imprensa Nacional, teve muito cedo que  assumir o sustento de sua família devido ao enlouquecimento de seu pai.

Torna-se funcionário público com modesto salário e inicia sua trajetória literária escrevendo crônicas, contos e romances. Convidado a participar do jornal mais importante da época o Correio da Manhã publicou uma série de reportagens sobre as escavações que se faziam no Morro do Castelo, como parte das obras de reurbanização da cidade. Escrito sob forma romanceada, o conjunto de textos já indicava que o ficcionista Lima Barreto estava superando o jornalista Lima Barreto. Observador das mazelas da sociedade carioca da época, as diferenças sociais do subúrbio; foi ardente crítico e expressou o sofrimento do povo em um estilo literário próprio, afastado das elites literárias  de sua época e marginalizado por elas, seu texto não primava pelo excessivo rebuscamento e cuidado gramatical em voga pela Escola Realista, mas sim era um texto desleixado, livre e cheio de estilo, era a vanguarda que prenunciava outra fase da literatura brasileira.

Crescia cada vez mais o interesse político-social do escritor,  em 1907 colabora com revistas literárias com engajamento social, neste tempo dedica-se à leitura na Biblioteca Nacional dos grandes nomes da literatura mundial, dos escritores realistas europeus de seu tempo, tendo sido dos poucos escritores brasileiros a tomar conhecimento e ler os romancistas russos.

Lima Barreto escrevia de forma desordenada e quase compulsiva. Planejava duas ou três obras, iniciava todas e não concluía nenhuma. O livro Triste Fim de Policarpo Quaresma, primeiramente escrito como folhetim em 1911 e como livro em 1915, é uma de suas principais obras.  Apontado pelos críticos como a principal obra pré-modernista, o seu estilo é simples e comunicativo, é um livro de exaltação da cultura nacional, é o nascimento da brasilidade, aspiração que será tomada com mais vigor pelo Modernismo.

Policarpo Quaresma é um modesto funcionário público que tem profundas inquietações com relação a sociedade e a política da Primeira República. Mostra-se um patriota exaltado, idealista, com um projeto de reforma nacional, cujo objetivo era “despertar a pátria do sono inconsciente em que jazia, ignorante de seu potencial e conduzi-la ao seu lugar de maior nação do mundo”.

Num primeiro momento, o grande sonhador prepara uma reforma cultural; num segundo, uma reforma agrícola; num terceiro, uma reforma política. Nesta sua caminhada ufanista, o país revela-se inóspito, precário, infecundo, cruel, opressor e odioso. Em sua narrativa onisciente por muitas vezes, ou seja, quando o escritor Lima Barreto participa com sua opinião afastada da personagem narradora “Policarpo”, percebe-se a desconstrução do mito romântico de um Brasil superior. Evidencia a distância entre o sonho e a realidade, critica o idealismo inconseqüente, incapaz de enxergar as verdadeiras dimensões do real. O perfil das personagens da obra são caricaturadas, é a transposição para o plano da ficção da visão de funcionário público do próprio Lima que resulta em irônica alegoria contra a burocracia, formada por pessoas sem consciência moral ou profissional. Nesse sentido, o livro é uma sátira impiedosa e bem-humorada contra o Brasil oficial, onde dominam generais sem batalhas (Albernaz) e almirantes sem navio (Caldas).

Seu estilo é descontraído, incorpora vocábulos e frases espontâneas, próprios da linguagem oral e jornalística, prima pelo objetivismo na narração em terceira pessoa onisciente. Quaresma era nacionalista ao extremo, pretendia uma reforma nos costumes, pensava que os brasileiros deveriam se expressar como os primitivos tupinambás e não como os europeus. Pretendia substituir o idioma pelo tupi-guarani, chegando a redigir documentos oficiais em tupi. Isto custou-lhe uma internação no hospício. Quando saiu, passou para sua Segunda reforma, acreditando ser as terras brasileiras as mais férteis do mundo desiludiu-se logo quando viu a quantidade de saúvas e a mesquinharia da política local. Mais tarde Mário de Andrade falaria: “O Brasil não tem saúde, tem saúva”.

Mergulhado novamente no sentimento ufano foi  alistar-se no exército a favor de Floriano Peixoto. Acreditando com toda sua exaltação no florianismo consegue uma entrevista pessoal com o líder, ficou decepcionado ao conhecer um homem displicente e preguiçoso. Critica o Positivismo “… desse nefasto e hipócrita positivismo que justificava todas as violências, todos os assassínios, todas as ferocidades em nome da manutenção da ordem…” vai então prestar sua colaboração à “causa” servindo de carcereiro numa prisão, revoltado contra a violência dos direitos humanos dos presos redige uma carta ao presidente, em conseqüência disso o grande florianista vai para Ilha das Cobras para ser executado junto com os outros presos cujos direitos protestara.

Há uma descrição maravilhosa de cada personagem, é um livro engraçado e profundamente reflexivo, atual e universal, encontramos nele registros históricos dos muitos aspectos da vida social e política do Rio de Janeiro.

Juarez R.
Rascunho