A revista Época de 19 de março passado (edição 148) fez uma lista de dezenove romances que “ninguém deve morrer sem ler”. Joana Monteleone e Cléber Eduardo, repórteres, convidaram quatro mestres brasileiros e um americano (o homem do “cânone” ocidental, Harold Bloom) para selecionarem 20 títulos, cada um. Do cruzamento da lista do mestre internacional — que só selecionou 10 romances — com as listas dos brasileiros Massaud Moisés, Walnice Nogueira Galvão, Benedito Nunes e João Adolfo Hansen “brotaram”, conforme diz o texto, “55 livros, dos quais 19 com mais de uma citação”.
E os escolhidos foram…
O vermelho e o negro — Stendhal
Guerra e paz — Leon Tolstói
Ulisses — James Joyce
Em busca do tempo perdido — Marcel Proust
Crime e castigo — Dostoievski
(Obs.: os cinco primeiros campeões, com 4 votos.)
Madame Bovary — Gustave Flaubert
A montanha mágica — Thomas Mann
Grande sertão: veredas — Guimarães Rosa
O processo — Franz Kafka
Moby Dick — Herman Melville
O homem sem qualidades — Robert Musil
(Obs.: romances com 3 votos.)
Eugênia Grandet — Honoré de Balzac
O primo Basílio — Eça de Queirós
Dom Casmurro — Machado de Assis
David Copperfield — Charles Dickens
Ao farol — Virginia Woolf
Grandes esperanças — Charles Dickens
Memórias póstumas de Brás Cubas — Machado de Assis
(Obs.: livros que obtiveram 2 votos.)
Pois muito bem: li e reli as cinco listas — e fiquei matutando na super-lista dos 19 “brotados” das votações. Qualquer leitor e apreciador de romances faria o mesmo, atraído pelas lembranças e pelas omissões que, acho, cada um há de encontrar em listas que tais, de obras que nenhum mortal deve ignorar etc. Na verdade, pensei também em inúmeras coisas que ninguém deve morrer sem deixar de fazer (o que, necessariamente, não incluiria ler as quase 20 obras da Época, na cama de moribundo, com um termômetro na boca). Usando de imagem menos terminal, eu mesmo estive próximo de cair doente só em perceber a ausência de alguns romances que, sim, até na UTI deveríamos fazer esforço para conhecer… pois, como se pode partir desta para melhor (ou para pior) sem ter lido, por exemplo, O Grande Gatsby? A obra-prima de Scott Fitzgerald é daquelas experiências de leitura que se colam à pele da mente — e o romance foi considerado, com justiça (no “ano das listas”, que foi 2000), o melhor romance americano do século 20. Portanto, que falte o Gatsby na relação de todos os ouvidos pela Época, mas apareça O Primo Basílio (?), do Eça, revela amor demasiado, no mínimo, à língua portuguesa, ao mesmo tempo em que a língua brasileira também aparece privilegiada para além da justiça, com a presença final do Grande sertão, de Rosa — romance que, a meu ver, não pode ocupar lugar que “falte” para o Adolpho, de Benjamin Constant, (livro tão importante quanto Bovary), ou para A letra escarlate, de Nathaniel Hawthorne.
Entre os maiores romances da literatura ocidental seria obrigatório incluir, na minha opinião, dois italianos: O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa, e A Consciência de Zeno, de Italo Svevo, além de pelo menos uma obra do galego Camilo José Cela, presente — com dois títulos — na lista das mais importantes narrativas ibéricas do século passado. Cela estreou na ficção com essa autêntica obra-prima “tenebrista”, A Família de Pascual Duarte — que nem mesmo Paulo Francis conhecia (pelo que se depreende da sua crítica, injusta e virulenta, à escolha do prêmio Nobel/89).
Tratando-se de obras literárias, claro que sempre se pensará: “ah, mas cada um há de ter as suas preferidas…” — o que é verdade, mas com o devido cuidado para não se chegar, nunca, à marca da paixão que, num best-lista, eleja tais “preferidas” no lugar daquelas obras de mérito universal e indiscutível, e nem se praticando, por outro lado, o tipo de ufanismo que permite ter dois Machados, mais do que folgadamente, numa mesma apertada constelação dos melhores de todas as épocas. Isso é tão criticável quanto aquele espírito anglófilo que ressuma da relação de Harold Bloom, ignorante — suponho — de alguns romances fundamentais de literaturas que ele desconhece e, parece, não se esforça em conhecer.
Massaud Moisés — que aparece com Aparição, do português Vergílio Ferreira (?) — foi o único que se lembrou de citar uma criação absolutamente genial como Judas, o obscuro, de Thomas Hardy, cuja ausência nas demais listas se torna tanto mais gritante quanto elas incluem títulos como Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco (??) e O leilão do lote 49 (???), de Thomas Pynchon. Um romance de Pynchon em lista suprema dos maiores-entre-os-melhores se torna risível — até porque quem o cita é o mesmo Bloom do auto-limite dos 10 títulos only (que não incluem O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, talvez o mais belo romance de todos os tempos, depois de Moby Dick).
Enfim, listas! — o que há de se fazer com elas, senão propor contra-listas?
Para finalizar — e expor o meu próprio pescoço — aqui estampo a minha, em ordem mais ou menos cronológica e sujeita a críticas & tempestades, é claro:
Adolpho — Benjamin Constant
Madame Bovary — Gustave Flaubert
Guerra e paz — Tolstói
Ilusões perdidas — Honoré Balzac
Crime e castigo — Dostoievski
Moby Dick — H. Melville
A letra escarlate — N. Hawthorne
David Copperfield — Charles Dickens
O morro dos ventos uivantes — Emily Brontë
Em busca do tempo perdido — Marcel Proust
Judas, o obscuro — Thomas Hardy
O coração das trevas — Joseph Conrad
O processo — Franz Kafka
Dom Casmurro — Machado de Assis
Retrato de uma dama — Henry James
O grande Gatsby — F. Scott Fitzgerald
O Leopardo — Tomasi di Lampedusa
A consciência de Zeno — Italo Svevo
A família de Pascual Duarte — Camilo José Cela
O jardim dos Finzi-Contini — Giorgio Bassani
E anexo também a lista de Rogério Pereira (aproveitando para abrir o espaço às listas dos leitores), editor de RASCUNHO:
Don Quijote de la Mancha — Miguel de Cervantes
Ana Karenina — Tolstoi
Ensaio sobre a cegueira — José Saramago
Dom Casmurro — Machado de Assis
O Palácio dos Sonhos — Ismail Kadaré
O Jogo da Amarelinha — Julio Cortázar
O Processo — Franz Kafka
Cem Anos de Solidão — Gabriel García Marquez