O colecionador de sombras, de João Batista Melo, tem valor literário, embora nem todos os textos sejam admiráveis. Percebo talento e esforço do autor ao buscar transcender o cotidiano de suas histórias e imprimir nelas o diferencial que as tornará impactante ao leitor.
Todos os textos têm características comuns — tramas bem formuladas e descrições minuciosas de cenários conduzem o leitor a paisagens esteticamente agradáveis; e linguagem marcada — formal, rebuscada e carregada de metáforas gastas.
Alguns textos são excelentes. Neles o escritor lapida mais a linguagem, simplifica-a, dando mais visibilidade ao conteúdo. Já em outros, o rebuscamento da linguagem torna o texto inexpressivo — são textos que eu considero estudos de criação.
Em todos, sem exceção, o narrador é alguém que se situa muito distante daquilo que narra. Isso dá a impressão de que ele escreve apenas com a mente. Embora tenha uma mente criativa e memória rica (há grande diversidade de situações e conhecimento de mundo), falta vitalidade (respiração, sangue) aos textos. Os personagens não agem, são movidos pelo narrador que os desenha passivos ao contexto em que se inserem como se fossem vítimas das histórias que os criam e não sujeitos delas. Talvez seja esse o ponto crucial a ser observado na escrita de João Batista Melo.
Criar é apropriar-se da matéria-prima da arte — os conflitos humanos e suas linguagens; e sintetizar esses elementos em algo singular. Enquanto não se atinge essa síntese, ficamos no terreno dos estudos e ensaios.
João Batista Melo, em O colecionador de sombras, está em busca da síntese e não esconde sua obstinação. Alguns contos me tocaram muito:
Pique é excelente. O autor atinge o seu melhor, ao lado de outros textos do livro. Isso mostra que o escritor está buscando a sua grandeza; perseguindo a sua peculiaridade. Sobre o conto não há o que dizer: é simples, direto, delicado.
A estação das chuvas também está entre os melhores contos deste livro. A história de Chico é comovente e muito bem construída.
Em As sementes da neve, o escritor constrói um personagem de classe média, nostálgico, que sobrevoa realidade e sonho sem tocá-los. É o caso em que um narrador distante, descreve personagens, cenários, fatos com uma linguagem rebuscada — recurso para forçar uma densidade que o texto não tem.
No O olhar de Hórus, o escritor insere hábitos modernos ligados ao computador. A máquina e seus recursos soam mais fortes do que o drama da personagem. A finalização sugere o fantástico, mas não o atinge.
O jogo tem força porque o personagem, a despeito da linguagem artificial, é perceptível, forte.
A loja de bordados resgata os contos populares de mistérios — é encantador. Dá vontade de ler e reler e sair por aí contando e recontando. Por mais que se possa prever o fim da história, o clima de encantamento nos prende.
Onde moram os lobos é um conto primoroso, mais curto, mais conto, com poucas digressões, instigante. Ótimo para crianças e jovens porque é lúdico e renova o tema do medo na literatura.
Linha noturna conta um natal diferente, moderno, dolorido e mágico.
Um livro é bom quando nos entusiasma. O colecionador de sombras foi me seduzindo, aos poucos. Entre imperfeições e tentativas, o autor produziu um trabalho respeitável. Há deslizes, mas maior é o desejo de transcender e, quando isso ocorre, algumas pérolas nascem e nos embelezam a todos — é a magia da arte!