Sempre gostei de textos curtos. Com frases curtas e fartas. Cheias de possibilidades. De idéias que poderiam ser desenvolvidas mas não foram. De meias-palavras. Meios parágrafos. Por vezes, diversão. Por outras, angústia, falta, lacuna a ser preenchida com o quê…
O problema é que nem todos os textos de frases curtas, desses que eu gosto, são bons. Pelo contrário. Dificilmente um desses textos é tão bom assim. E é aí que mora o perigo. Por parecer simples demais, essas frases podem ficar enxutas e sem sentido. E o texto, mais vazio ainda. Vira a fumaça do que poderia ser.
O melhor exemplo que eu pude pensar, no estilo curto e grosso, é Dalton Trevisan. Eu sei, vocês vão dizer que eu sou bairrista, que eu gosto do Vampiro de Curitiba porque, afinal, ele é da minha cidade. Não. Gosto dos textos dele porque sim. Porque são bem escritos — embora alguns, nesses últimos livros, tenham ficado a desejar, especialmente porque são curtos demais da conta. Porque têm conteúdo farto em pouquíssimas linhas.
Mas não é sobre Dalton Trevisan que eu vou escrever. É sobre um outro contista, Luís Pementel. Ele, carioca, editor-adjunto do Pasquim, também escreve textos curtos. Não tanto quanto Trevisan. Nem com a mesma qualidade. Mas são interessantes.
Pimentel ficou em segundo lugar no concurso catarinense Cruz e Souza 2002. O primeiro lugar ficou com o paranaense Miguel Sanches Neto, que publicou o livro Hóspede secreto. O carioca conquistou o prêmio com os contos de Grande homem mais ou menos. O título é o melhor de tudo. Grande título. O conto que empresta o nome é que é mais ou menos. Tem uma boa idéia: a de que tudo é mais ou menos. Mas falta alguma coisa. Falta um pouco mais de “sustância”, como diria minha avó. Fala de um cara bem mais ou menos, que vive bêbado pelos cantos, cuspindo em outras pessoas bem mais ou menos do alto de sua janela.
Há alguns temas bastante recorrentes nos contos de Pimentel. O futebol é um deles. O homem conta várias histórias que têm como pano de fundo o gramado, os 22 homens mais o trio de arbitragem (termo bonito, que aprendi escutando a tevê todas as quartas à noite e nos enfadonhos domingões). Sempre com uma chuteira no meio. Sempre uma chuteira histórica — ou de um pai, ou de um craque da bola esquecido…). Um exemplo? As chuteiras do pai: “Do pai, só conheceu a fama. Sabia que tinha sido o maior apoiador que a cidade já vira jogar, envergando a camisa do Esporte Clube Simpatia […] Partiu cedo, o pai, e quase nada pôde deixar. Ficaram algumas dívidas para a mãe saldar e um par de chuteiras para ele. […]” (p. 27).
E não é só nesse livro, não. No livro seguinte, Um cometa cravado em tua coxa — outro bom nome para um conto/livro —, ele volta às chuteiras e ao futebol. Há um conto, bem escrito, leve e melancólico, que se sobressai nesta questão futebolística: Beto Foguete. Fala de um craque das antigas (glorificado nos distantes idos dos anos 80) que, como boa parte dos craques das antigas, está na rua da amargura. Vai a uma banca de jornais e vê que na revista Placar há uma matéria sobre os craques (das antigas, é claro). Zico, Rivelino, Tostão, Carlos Alberto, Júnior… Estão todos lá. Menos ele. “[…] Embarcou no Glória-Leblon, circular, via Copacabana. O trocador olhou com cara de poucos amigos para o embrulho que ele carregava debaixo do braço.
— Não se assuste. É apenas um par de chuteiras […]”. Olha elas aí novamente, na página 25!
Mas não se pode negar que os textos sobre futebol são os mais interessantes. Tanto os melancólicos como o do craque das antigas, quanto os mais divertidos. Como O gandula que comeu a bola (em Um cometa…). Que trata justamente disso, de um gandula que, num momento de loucura, come os gomos da redondinha, no meio de um jogo.
A parte mais pesada fica por conta dos textos sobre a morte — normalmente em situações violentas como espancamentos, assassinatos e quetais. E aí os textos do carioca lembram mais os de Dalton Trevisan.
“A mulher Irene da Silva disse que o marido Aristides da Silva, vulgo Trambolho, saiu aquela manhã de casa , na Favela do Rato Molhado, chutando a alma da mãe e dizendo que ia descer o morro e “aprontar um bocado”. Quando os vizinhos bateram na porta, no finalzinho do dia, carregando o corpo de Trambolho todo crivado de balas, Irene estranhou:
— Eu não sabia que esse era o apronto a que o infeliz se referia.” (Aprontamento, p. 37 de Um cometa…)
A única ressalva que eu faço a esse texto é a forma como ele escreve a frase dita pela mulher. Praticamente ninguém diz “era esse o aprontamento a que ele se referia”. Questão de estilo, somente.
Também há referências ao sexo. Mas muito sutilmente. De uma forma bem singela. “América dos meus tormentos. Dezoito aninhos de charme, provocação e saúde debutando diante dos olhos de todos os tarados do colégio ou do bairro. Chega a hora que chega, roubando o lençol e o travesseiro, querendo cada vez mais […]” (Amada América, em Um grande homem…, p. 13).
A leitura de ambos os livros é muito rápida e tranqüila. Sem muitos questionamentos, sem muitas elocubrações ou idas e vindas. Esses livros não são indispensáveis. Mas não fazem feio. São boa leitura para uma noite em que se espera ver um grande cometa mais ou menos.