Lee Harvey Oswald e o tiro pela culatra da crítica

Alguns novos (e originais) autores e a crítica literária que nada lê
01/11/2007

Enterrado Cortázar, seria sensato aceitar que até cronópios morrem? Como todo autor genial, a influência do ogro belga torcedor da CCCP é mais nociva aos escritores do que a ascendência de Elis sobre cantoras de boteco. É fácil imitar, difícil mesmo é sobreviver ao acinte. Alguém aí inventou certa teoria determinando que todo texto escrito sob eflúvios de uma imitação exacerbada pertence ao IMITADO, mesmo que este tenha virado adubo há muito. Eu concordo.

Mario Levrero, Rodrigo Fresán, Washington Cucurto, Cesar Aira, Mario Bellatin, Alejandro Zambra, Alan Pauls e ROBERTO BOLAÑO têm feito um estardalhaço na literatura em espanhol. E conseguido, além de motivar textos críticos perspicazes, seduzir leitores para uma ficção com alto teor de risco, mesmo diante do desafio de publicar na esteira do boom latino-americano dos anos 70. E SEM a angústia da influência, pois quem gosta de sofrer influência é cantor baiano e marshmallow de cu é rola.

Os personagens dos romances e novelas desses autores são quase sempre escritores e poetas. E essa opção por narrar idas e vindas de escribas sacripantas poderia muito bem resultar numa chatice metalingüística e autofágica, mas não é o que ocorre nos livros do chileno Roberto Bolaño, por exemplo, exímio contador de histórias cujos puñetazos estilísticos nunca derivam para onanismos, e o equilíbrio entre contar uma história de forma convincente (com absoluto frescor nos temas e na estrutura) e a frase límpida, precisa, é sempre preservado, evitando a esterilidade dos barroquismos e os exíguos minimalismos sem poesia alguma.

Ulises Lima e Arturo Belano são “Os Detetives Selvagens”, protagonistas do livro homônimo, reconhecido pela crítica espanhola como o Rayuela do século 21, como constatou Enrique Vila-Matas no El País: “Una grieta que abre brechas por las que habrán de circular nuevas corrientes literarias del próximo milenio”. No Brasil, a crítica existente não reconheceria um escritor, se o encontrasse vivo. Anos atrás, assisti a um convescote com o supra-sumo da crítica paulistana (Manuel da Costa Pinto, Viviana Bosi Concagh e outros) onde a principal conclusão foi a de que “vivemos um período de fraca produção ficcional, se contraposta à produção de poesia”, e é certo que essa discrepância se deva ao fato de “no Brasil contemporâneo poetas serem mais cultos, enquanto narradores nem ao menos lêem”. Pode ser, pode ser. Já eu aqui com meus botões acho que a crítica é que não lê porra nenhuma, e se lê, lê sempre os mesmos gracilianos e clarices, sob os mesmos indefectíveis critérios.

Divago? Nem tanto, doutor. A produção hispano-americana atual é bem recebida devido aos seus antecessores, que formaram público e crítica com excepcional capacidade de recepção. Não foi Borges quem se infiltrou no meio editorial argentino dos anos 40 para publicar muita literatura policial e de aventuras, além do Faulkner que ele mesmo traduziu, para assim cultivar e preparar espíritos e sensibilidades para a obra que ele próprio publicaria posteriormente? O que fazer então, para não ser enfiado de forma tacanha num saco de gatos generacional ou ser limitado pela visão da crítica neófita dos blogues? Sugerir que os críticos leiam mais, antes de escrever. E se forem ler alguns autores nacionais que buscam o mais raro e alto de todos os caminhos, o da originalidade em literatura (cito alguns: Daniel Pellizzari, Douglas Diegues, Paulo Scott, etc.), será imprescindível fazê-lo com o outro olho na melhor prosa contemporânea mundial, pois vivemos em meio a uma vertigem sincrônica. “Ando pensando muito na VELOCIDADE. O Brasil das literatices era muito isolado, muito francês, muito lerdo. Nós representamos uma simultaneidade de visão literária com o resto do mundo civilizado, coisa que nunca aconteceu por aqui.” — Pellizzari dixit, via e-mail, dia desses.

No romance citado, os detetives selvagens Lima e Belano saem à procura da misteriosa escritora mexicana Cesárea Tinajero, desaparecida durante a Revolução Mexicana (1910), numa busca que dura vinte anos. Nessas andanças, os dois traficam maconha para publicar a revista de poesia LEE HARVEY OSWALD (bom nome, hein?), principal veículo dos real-visceralistas, movimento por eles liderado e que planeja o assassinato de Octavio Paz, entre otras cositas. É Belano quem diz, a certa altura: “Durante um certo tempo a Crítica acompanha a Obra, logo a Crítica se desvanece e são os Leitores quem a acompanham. A viagem pode ser longa ou curta. Logo os Leitores morrem um a um e a Obra segue sozinha, ainda que outra Crítica e outros Leitores pouco a pouco acompanhem a sua singradura. Logo a Crítica morre outra vez e sobre esse rastro de ossos segue a Obra sua viagem em direção à solidão. Aproximar-se dela, navegar por sua estrela, é sinal inequívoco de morte segura, porém outra Crítica e outros leitores se aproximarão incansáveis e implacáveis e o tempo e a velocidade os devoram. Finalmente a Obra viaja irremediavelmente sozinha na Imensidão. E um dia a Obra morre, como morrem todas as coisas, como se extinguirá o Sol e a Terra, o Sistema Solar e a Galáxia e a mais recôndita memória dos homens. Tudo o que começa como comédia acaba como tragédia”.

— Resumindo: chega de piadas e revirar tumbas? Mais rápido, mais rápido — é isto?
— Quem sabe? Nada obstrui tanto o avanço da compreensão como crer que se sabe o que ainda não se sabe.

— Este é o erro em que incorrem os entusiastas inventores de hipóteses.

— Eu sei. E há ineptos entusiastas. Gente mui perigosa.

Joca Reiners Terron

Joca Reiners Terron é Joca Reiners Terron. Seu último livro publicado foi Sonho interrompido por guilhotina (Casa da Palavra, 2006).

Rascunho