Ironia e experimentalismo

Resenha do livro "Ódio sustenido", de Nelson de Oliveira
Nelson de Oliveira, autor de “Poeira: demônios e maldições” Foto: Tereza Yamashita
01/02/2008

O poeta Lêdo Ivo garante que todo escritor começa em uma geração e termina na solidão. Parte da crítica, entretanto, tenciona determinar que a última de nossas gerações literárias foi a de 45, exatamente aquela formada por Lêdo, João Cabral, Marly de Oliveira, Péricles Eugênio da Silva Ramos e outros. Essa insistente afirmação é uma maneira, ingênua ou maliciosa, de negar a unidade temática e formal que marcou a prosa “rurbana”, para usar um neologismo de Gilberto Freyre, dos anos 70, a poesia marginal e mesmo o concretismo e todos os seus desacertos.

As gerações continuam a surgir. Mais para satisfazer uma pretensão mercadológica que propriamente para definir gênero, Nelson de Oliveira cunhou a expressão Geração 90 para nossos novos autores. Mesmo que não tenha feito qualquer mira, acertou bem o alvo. Está sim acontecendo uma geração literária. Suas características são bem visíveis. O urbanismo, a violência gratuita, o fim do ingênuo maniqueísmo pobre bom e rico mau, o aproveitamento da linguagem da periferia, os limitados espaços de ascensão social, e por aí vai.

Nelson de Oliveira, claro, está presente nesta geração renegada até por seus próprios pares. Na leitura de seu mais novo livro, Ódio sustenido, é possível apanhar cada uma daquelas características faladas anteriormente. São treze contos que transitam pelo espaço urbano e dele traz todas as dores e sentimentos mesquinhos. Há, no entanto, um elo entre os textos, a profunda indiferença dos homens aos dramas alheios, o individualismo latente da sociedade que se constrói.

O conto que abre o volume, Sai da chuva, José!, fala de um homem paralisado diante da possibilidade de poder. E aí Nelson começa a escancarar as feridas. O universo que ele mostra é marcado por uma ambição imensurável, daí tornar-se estranha a disposição de se anular sob a chuva e frente ao rio. Até porque seus personagens, quase sempre apenas silhuetados, sobrevivem do medo da solidão e das confusões ideológicas que os circunda. Um mundo tão profundamente marcado pelo pragmatismo que a ciência tomou ares e ritmos de religião.

Apesar de todo este caos é no real que Nelson vai buscar os elementos de sua reflexão. E olha para tudo com fortes doses de ironia e experimentalismo. Ou seja, vive uma espécie de neo-realismo contemporâneo descrevendo uma realidade conflituosa com vozes absurdas.

Ódio sustenido é, enfim, o livro de uma geração que bebeu água em todos os rios, mas preserva sua originalidade. Por isso se faz um livro vivo e inquieto. À sua maneira, também divertido.

Ódio sustenido
Nelson de Oliveira
Língua Geral
88 págs.
Maurício Melo Junior

É jornalista e escritor.

Rascunho