W. G. Sebald é um ficcionista dos melhores, não é difícil encontrar alguns de seus livros traduzidos para o português. Guerra aérea e literatura é de outra linhagem: a ensaística. Nada que espante, pois antes de se tornar um escritor consagrado, Sebald atuava como professor de literatura na Inglaterra. E assim continuou até sua morte num acidente automobilístico.
Guerra aérea e literatura traz a longa, jamais cansativa, conferência do autor em 1997, na Universidade de Zurique. Mas a edição brasileira apresenta outro ensaio de Sebald, um texto sobre o escritor alemão Alfred Andersch (1914-1980). O leitor não se equivocará ao concluir que este traz, posta em prática, a teoria anunciada.
Sebald se notabilizou por sua produção no gênero que este aprendiz entende como autoficção e bioficção, grosso modo, a vizinhança promíscua entre a ficção e os fatos históricos. Recomenda-se não procurar o começo de um, tampouco o fim de outro. Convém, confiante leitor, acreditar numa realidade fictícia.
Em Guerra aérea e literatura o foco está direcionado para a investigação minuciosa da história. As marcas da guerra, sempre renovadas, o efeito sobre a literatura, sobre os escritores, melhor dizendo. Nada de novidades, em Austerlitz, 2001, o tema também é abordado.
Guerra aérea e literatura, a conferência, o livro, começa com Sebald trazendo à cena as cidades alemãs destruídas pelos bombardeios aliados. E bomba, pacifista leitor, não escolhe alvo. Pouco importa se militar ou civil, se barraco ou bunker, as bombas aliadas, toneladas de bombas, são as protagonistas. Coadjuvante, o fogo. Com tamanho cast o cenário não fugiria do óbvio: restos, ruínas e refugiados.
Diz a história que foram lançadas em território alemão mais de um milhão de toneladas de bombas, mais de seiscentos mil civis morreram e sete milhões ficaram desabrigados. A pergunta sem resposta: por que a Alemanha silenciou diante de tamanha desgraça?
Guerra aérea e literatura busca a reflexão acerca desse silêncio literário/alemão do pós-guerra. A destruição perpetrada pelas forças aliadas não comoveu a maioria dos escritores. Teriam considerado irrelevantes os estragos? Mais de 130 cidades bombardeadas, muitas varridas do mapa. Pouco?
As pessoas se moviam “pelas ruas entre as ruínas medonhas como se, na verdade, nada houvesse acontecido e […] esse sempre tivesse sido o aspecto da cidade”, diz uma anotação feita por Alfred Doblin no sudoeste da Alemanha, datada do final de 1945. O reverso dessa apatia foi a declaração de recomeço, o inquestionável heroísmo com que se voltou sem demora aos trabalhos de reorganização e remoção dos escombros.
Silêncio é sinônimo de cinza?
Trabalhar em silêncio, dizem, desde que não se trate de cantores por exemplo, o silêncio sempre é bem-vindo e não sei se é o caso da literatura se ocupar dos efeitos da guerra. Não sei mesmo. Mas duvido que seja.