O que dói é saber que um ensaísta e crítico do porte de um Davi Arrigucci Jr. tenha um dia escrito que “o primeiro mérito de Waly [Salomão] é trazer para o centro da lírica brasileira a experiência do descentramento de nossos dias e a situação problemática do poeta no mundo contemporâneo”. É uma frase bonita. Soa consistente. Seria melhor se ela fosse dirigida a um poeta, não a um aventureiro — mais um — que se fez notar na chamada poesia brasileira por atitudes bizarras e extravagantes, não pelo que escreveu. Mas no país do vale tudo, isso pé normal. Até mesmo as palavras de Arrigucci Jr., neste caso particular — diga-se.
Quase tudo que Waly Salomão escreveu, a bem da verdade, é um lixo. E parte desse lixo está sendo relançada agora, com poemas publicados originalmente em 1996. O título Algaravias é explicado pela editora, tendo por base o Dicionário Etimológico da Língua Castelhana: “algaravia”, de acordo com a Rocco, é uma palavra de significado múltiplo: “língua árabe, linguagem quase ininteligível e coisa difícil de perceber”.
Vamos ao que interessa. É coisa difícil de perceber mesmo. Waly Salomão sempre foi um sujeito que dava a entender não ter senso do ridículo, nas atitudes e nos textos que escrevia. Nos discursos repletos de bobagens que dizia. Ou então fazia gênero, coisa que se tornou banal no Brasil dos equívocos. Mas aí entra aquele componente desprezível dos que detêm o poder sobre a poesia brasileira. Esse poder é demolidor.
Claro que nem tudo é uma negação do começo ao fim. Não chega a esse descalabro. Há neste livro alguns momentos do que pode ser chamado de poesia e de poema, mas sobra o que se encaixa perfeitamente na coisa esdrúxula. Num dos poemas, Waly Salomão escreveu: “Valéry não é arremedo de escudo/ para o acuado remoedor do ar de medo:/ um poema deve ser uma festa do intelecto”. Há ainda algo aproveitável: “O que eu menos quero pro meu dia/ polidez, boas-maneiras./ Por certo,/ um Professor de Etiquetas/ não presenciou o ato em que fui concebido”.
Num dos poemas deste Algaravias, Salomão afirma num verso que “toda viagem é inútil”. Nisso ele está certo. E isso vale também para a literatura e para a poesia especialmente, em que a aventura é a lógica mais correta da palavra inútil em poemas inúteis escritos por gente inútil também. Mas tudo bem amparado na confraria dos favores mútuos.
Os poemas deste livro foram escritos no início dos anos 90. Depois disso, muito lixo rolou solto com festas e muitas vulgaridades, com muitas manifestações deprimentes, todas em nome da poesia e da literatura deste país. Muito aplauso. Muitos discursinhos festivos e hilariantes. Certamente, chegou a acreditar que ser hilário seria uma maneira de chocar. Ainda existe gente que acredita nisso. Seu desejo, como escreveu e disse algumas vezes, era ser um poeta polifônico. Conseguiu. Repetiu seu próprio som várias vezes. Tudo igual. Pena que não tenha seguido o que escreveu nos primeiros versos de um poema dedicado a Lina Bo Bardi: “sonho o poema da arquitetura ideal/ cuja própria nata de cimento encaixa palavra por/ palavra/…/”. Não foi assim. Foi o fácil. Foi o discurso festivo. Nem foi deboche proposital. Foi falta de poesia mesmo. Dessa tal poesia que se destina à lata de lixo, mais nada.