Sempre que surge um novo escritor, um novo livro, abre-se novamente a discussão em torno dos caminhos da literatura contemporânea. Onde vamos parar diante da diversidade que estranhamente se unifica na irresistível necessidade de ser uma imensa crônica urbana? Em outras palavras, embora falem dos assuntos mais diversos, os autores modernos caem sempre na recorrência do cenário urbano, do sexo gratuito, da violência banal, do momento atual. É como se isso servisse de moldura básica para a narrativa que assalta hoje nossas prateleiras.
Dentro desse panorama tão previsível dá certa alegria a corrente encadeada por Antônio Dutra em sua estréia como ficcionista. No romance Dias de Faulkner, o cenário continua urbano, mas o tempo histórico está longe, nos anos 50 — descritos sem o glamour ufanista como tão freqüentemente nos chega hoje. Também não há qualquer exagero de admiração irrefreável no contorno do protagonista, o escritor norte-americano William Faulkner, ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1949. Tudo no livro tem o tom de relato jornalístico imparcial e impiedoso.
O enredo parte da visita de Faulkner ao Brasil em 1954. O escritor veio participar de um congresso internacional de escritores, dentro do programa da política de boa vizinhança desenvolvido pelo governo americano. Mas o que se vê é um homem angustiado com os compromissos que precisa cumprir. Sua impaciência se divide entre as constantes bebedeiras e cenas de intensa simpatia quando está cercado por um público encantado com a celebridade literária.
Engana-se, no entanto, quem pensa ser tudo tão fácil, tão claro. Mesmo a personalidade do protagonista é dúbia, se divide entre a simpatia e a impaciência. Todos querem falar de sua literatura, de sua glória, enquanto ele está interessado em conhecer uma fazenda de café, em falar dos prodígios que conseguiu como fazendeiro, aliás, o tempo todo se diz um fazendeiro que escreve para ganhar dinheiro. Todos querem ouvir seu discurso no congresso enquanto ele fica bebendo no bar do hotel.
Mas, de repente, surge um outro personagem. Agora é um homem atencioso com os jornalistas e os outros escritores. Vai ao congresso falar de literatura e até se desculpa. As dores nas costas é que o deixaram no hotel. E chega a cair de encantos por uma escritora nomeada apenas como L, mas que o leitor facilmente descobre a face da jovem Lygia Fagundes Telles.
Antônio Dutra trabalha no limite do real. Apóia-se nos jornais da época, mas também nas fofocas que cercaram a polêmica visita. E faz isso por estar escrevendo ficção e não um tratado literário, sociológico, ou coisa que o valha. E nisso centra-se a qualidade do texto. Sem querer ser somente historiador, discute a importância desses encontros culturais, sobretudo numa época tão cheia de conflitos, com o governo Vargas caindo aos pedaços.
A cultura milenarmente sempre foi usada como instrumento de manutenção do poder nas mãos de quem manda. No processo de saída da depressão de 1929, os Estados Unidos aproveitou isso e vendeu sobretudo o cinema para outros países, invadindo outras culturas. Foi um projeto econômico que, como uma espécie de compensação, abriu espaço para uma Carmem Miranda ou um Cantinflas. No mais era a venda da imagem de um país feito de maravilhas e que deveria servir de exemplo.
Na visão de Antônio Dutra a visita de Faulkner estava no mesmo pacote. Sem maniqueísmos ou lutas ideológicas, o escritor nos revela as filigranas escondidas nos jogos diplomáticos.