Loucos de pedra reúnem-se regularmente. Aqui e no exterior. Os daqui, mesmo sem sair do lugar, estão sempre no exterior, e vice-versa. Loucos de pedra não têm língua, mas falam pelos cotovelos. Não têm origem, mas defendem o torrão natal com unhas e dentes. Loucos de pedra gostam de caminhar nas nuvens, ainda mais quando o vôo é internacional, e de se isolar em anfiteatros abarrotados de estrangeiros (todos loucos de pedra, é claro). Loucos de pedra passam mal quando presos em universidades, mas se recusam a fugir de lá porque os portões nunca estão trancados. Chamam-se Trujillo, Brizuela, Padilla, Merino, Pedrosa, Oliveira… Vêm do Uruguai, da Argentina, do México, da Espanha, de Portugal, do Brasil… Rodam pela avenida Javier Prado, distanciando-se cada vez mais do Pacífico — de algo que eles, loucos de pedra, jamais serão. Hospedam-se em hotel cinco estrelas (cercados de generais), mas confessam não estar acostumados com tanta mordomia. Loucos de pedra gostam de trocar figurinhas durante o café da manhã, cada qual com o próprio guardanapo e as próprias expressões idiomáticas. Falam de poetas e contistas. De poetas e romancistas. De poetas e ensaístas. De prosa e poesia, de cinema e poesia, de política e poesia, e poesia, e poesia. Bebem café descafeinado e Inca Kola, la bebida del Perú. Comem tortuga, tortada e tortilla. Loucos de pedra são rebeldes incorrigíveis que detestam falar em público. Mas uma vez diante do microfone, difícil tirá-los de lá. Renegam Neruda, Borges e Rulfo decalcando nos próprios livros os textos de Neruda, Borges e Rulfo. Declamam poesia engajada, participativa. Falam de Marx e Mao, arte e artesanato, ética e etiqueta. Perguntam-se: “¿Qué es un autor?”, “¿De dónde nacen las ficciones?”, “¿Quién inventa las histórias que uno escribe?”. Fantasiam: “Un autor no es ya una fuente de imágenes desconocidas; parece ser, más bien, una encrucijada en donde se encuentran y dialogan las grandes líneas de una cultura” (Brizuela). Cricrilam: “En todas las formas de expresión artística el sexo ha tenido un papel fundamental, porque el arte no es obra de ángeles” (Merino). Chovem no molhado: “Por razões que conhecemos bem, a literatura brasileira ainda é a literatura do homem branco, de classe média-alta, europeizado e heterossexual” (Oliveira). Loucos de pedra são visionários juramentados. Apesar de não terem todos os olhos — dois? três? quatro? — que os demais cegos alegam ter, sempre vêem o que não devem, na tevê ou em La República: “Vladimiro Montesinos Torres, todopoderoso ex asessor del presidente Alberto Fujimori, es el hombre más buscado del país”. Às favas, Montesinos, Fujimori, el Ejército! Loucos de pedra, quando envolvidos com a metafísica e a patafísica da prosa e da poesia, não dão a mínima para as tropas de choque do prefeito, do governador, do presidente, do imperador, do Todo-Poderoso. Não dão a mínima para a crise política, para os escândalos na alta cúpula, para as reivindicações do povo. No auditório da babel bilingüe, não dão à mínima para balas perdidas e gols contra (sempre a favor, quer do adversário, quer do adversário do adversário). Loucos de pedra atravessam o Hades e os Andes feito andarilhos descontentes, misturando Atacama e Ramones, Machu Picchu e Sex Pistols. O cabelo negro ornado de louros, do diabo fazem pandeiro, do Sandero, quiabo. Loucos de pedra, uma pedra em cada mão, recitam poemas de gosto duvidoso como quem atira porcos às pérolas: “Fabrico espejos:/al horror agrego más horror,/más belleza a la belleza./Llevo por la calle la luna de azogue:/el cielo se refleja en el espejo/y los tejados bailan/como un cuadro de Chagall”. Loucos de pedra não sabem dançar, mas incorporam Ginger e Fred melhor do que Ginger e Fred jamais se incorporaram. No final do evento e dos tempos, dão-se as mãos e lançam-se à valsa da sagração de todas as primaveras. Loucos de pedra, uma vez caído o pano, não bisam. Beatniks da periferia da periferia, guardam o crachá e saem em bando, feito pássaros telepatas, atrás do artesanato de Miraflores. Este, o prêmio dos prêmios: cacarecos de Cuzco. Hablan los jóvenes? Que hablen em paz.