Da fronteira entre o lirismo e o rigor crítico, surge O leitor fingido, trazendo, entre suas várias qualidades, uma que se destaca: ser fruto de quem faz da literatura uma prática e, ao mesmo tempo, um deleite. Um texto riquíssimo, denso, técnico — quando necessário — e terno. Porque a sensibilidade de Flávio Carneiro é o fio condutor de seus breves ensaios.
O livro agradará tanto a estudiosos da literatura quanto a leitores que busquem compreender melhor a condição humana e, conseqüentemente, sua própria vida. Na sua primeira parte, Através do espelho (e o que o leitor encontrou lá), o autor faz um passeio descontraído pela teoria literária. Leitura e autoria são dissecadas por Carneiro, que, para isso, se utiliza, didaticamente, de trechos que situam e familiarizam o leitor leigo às questões teóricas. Ao tratar da leitura, Flávio diz, página 20:
Não se lêem apenas palavras, sabemos. Pode-se ler um romance ou um poema tanto quanto se pode ler no rosto de alguém um traço de dor, um sorriso, um modo de ajeitar o cabelo, ou como se pode ler uma roupa, o céu, um jardim. E até mesmo uma onda do mar pode ser lida, como nos ensina Palomar, o personagem de Italo Calvino.
Flávio também revela alguns fatores — poucos e óbvios — que o obrigam a não gostar de um livro. Trata-se de algo extremamente importante, e o autor o encarou com pressa inoportuna. Satisfez-se com o enunciado e entregou a frustração ao leitor.
Com O leitor fingido, de qualquer forma, a empatia se instala de pronto, já em suas primeiras páginas. Flávio teceu um livro leve, que não veio para assustar e nem para apresentar a erudição de seu autor. Cabe lembrar que Flávio Carneiro também é professor, e o leitor que pagar pela obra receberá aulas e mais aulas sobre o ato de escrever, criar e receber arte. A tão alardeada teoria da recepção está minuciosamente explicada no livro. Um primor.
Além do já exposto, O leitor fingido pode ser encarado como um requintado guia de leitura. Na segunda parte, Álbum de retratos (O leitor em branco & preto), as obras analisadas por Carneiro nos servem como um panorama da literatura universal. Ele lança seu olhar sobre Felicidade clandestina, de Clarice Lispector; Os crimes da Rua Morgue, de Edgar Allan Poe; Cidade de vidro, de Paul Auster; O quieto animal da esquina, de João Gilberto Noll; e As cidades invisíveis, de Italo Calvino, entre outros.
O autor realmente não brincou em serviço, e também está bem assessorado, por filósofos (Foucault, Sloterdijk, Benjamin), escritores (Cortázar, Borges, Noll, Proust, Clarice) e roteiristas e cineastas (Eisenstein, Carrière). Um trabalho de fôlego que, no mínimo, despertará a curiosidade do leitor atento.