Traduzido por Roberto Leal Ferreira, Teoria da literatura — Textos dos formalistas russos é uma cuidadosa compilação de textos significativos historicamente no âmbito das pesquisas literárias e linguísticas, primeiramente traduzidos do russo para o francês por Tzvetan Todorov.
O prefácio Rumo a uma ciência da arte poética, de Roman Jakobson, aborda a origem e o desenvolvimento do formalismo russo, bem como sua importância na evolução dos estudos literários, durante seus quinze anos de atividade. Também fala do cuidado em elaborar uma antologia que pressupõe a escolha de determinados textos que não poluíssem ou distorcessem a imagem da doutrina formalista.
Todorov constrói uma apresentação que define e defende o formalismo como pensamento estético. Levanta em seu texto a importante premissa de que o texto literário traz a imagem do seu vir a ser. Esclarece a origem do formalismo e enumera os diferentes textos que compõem a antologia.
O formalismo russo surge com o apoio do Círculo Linguístico de Moscou, da Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética do Círculo Linguístico de Praga. Um grupo seleto de pensadores, escritores e estudiosos de língua e literatura que desenvolveram ideias sobre a literariedade dos textos literários. Muitos dos estudos conjugam aspectos linguísticos e literários sempre evidenciando que a língua não é estática, assim como as produções artísticas que derivam dela.
Atribuíram absoluta autonomia à obra literária, desconsiderando o autor e as circunstâncias externas à produção do texto. Sua principal premissa era de que o objeto da ciência literária não é a literatura, mas a literariedade. Preocupavam-se com o processo de organização da obra como produto estético e analisaram não somente na poesia as formas de pensar a produção dos textos.
Boris Eikenbaum, em a Teoria do método formal, ensaio que abre a antologia, esclarece o funcionamento do pensamento formalista e seus aspectos constitutivos. Mostra que ele não resulta de um sistema metodológico, mas de esforços para a criação de uma ciência que fosse autônoma e com princípios concretos. Através da libertação da palavra poética das tendências filosóficas e religiosas, psicológicas e tratando da evolução das formas e tendo como material de pesquisa a motivação da construção dos textos, enunciando que a percepção artística depende da forma que é o que experimentamos da obra de arte.
A arte como procedimento, de Victor Chklóvski, trata da imagem e do objeto estético. Afirma que a imagem é um meio prático de pensar, de agrupar os objetos e de reforçar a impressão. Desse modo o objetivo da arte é dar sensação do objeto como visão e como procedimento, sendo a arte o meio de experimentar o devir do objeto. Para os formalistas a literatura se esgota inteiramente na palavra e a arte figurativa na cor. E a tarefa artística do homem é contínua.
O realismo é uma maneira de reproduzir na arte o mais firmemente possível a realidade é a principal afirmação de Roman Jakobson no ensaio O realismo na arte. Ele define realismo como a capacidade de trabalhar o real da forma mais coerente possível e que isso se dá através de diversos aspectos no texto literário através de caracterizações e percepção do verossímil.
Viktor Vinogradov, em Das tarefas da estilística, aponta que todas as obras do poeta são manifestações de uma mesma consciência criadora no decorrer de um desenvolvimento orgânico e que a estilística se define exatamente por apontar e analisar essas características de estilo. Os estudos estilísticos das construções de poetas e romancistas têm hoje significativa relevância nos estudos literários.
Em A noção de construção, Iuri Tynianov fala dos princípios de construção da obra literária. Uma das mais importantes afirmações do ensaio do teórico é que a forma da obra literária deve ser sentida como uma forma dinâmica, não estática. Também ressalta que as categorias fundamentais da forma poética permanecem imutáveis, o desenvolvimento histórico não as modifica, nem destrói a divergência de principio construtivo, mas o ressalta.
Também de Tynianov, o ensaio Evolução literária trata da visão da história literária e dos seus desdobramentos em relação à evolução literária. Rompendo com a ingenuidade e levando em conta que vida social correlaciona-se com a literatura, antes de tudo por seu aspecto verbal, através da atividade linguística, a literatura tem uma função verbal em relação à vida social.
Problemas dos estudos literários e linguísticos, de Iuri Tynianov e Roman Jakobson, é o ensaio que separa as duas partes que constituem a antologia. Nele os teóricos abordam oito problemas da ciência literária e linguística que aparecem nos estudos de ambas as áreas que são concomitantes e interseccionadas. Aspectos sincrônico e diacrônico que articulam a literatura; análise das leis estruturais da língua e da literatura e evolução literária são os norteadores do levantamento dos problemas enunciados no capítulo.
Especificamente sobre verso, Ossip Brik, em Ritmo e sintaxe, fala das partes que constituem o poema: o ritmo e a combinação de palavras. Afirma que falamos de ritmo em toda parte onde podemos encontrar uma repetição periódica dos elementos no tempo e no espaço, qualidade intrínseca da poesia A sintaxe por sua vez é definida pelo autor como uma combinação de palavras no discurso cotidiano e que são singularmente importantes na construção poética.
Boris Tomachevski, em Sobre o verso, fala das noções de verso e da sua construção, tratando das leis do ritmo da palavra e das elaborações sobre o poético que lhe são peculiares: métrica, ritmo, sintaxe e outros aspectos que diferenciam o texto poético do prosaico.
Em A construção da novela e do romance, Victor Chklovski aborda a ideia da ligação entre os dois gêneros enunciando que o encadeamento de pequenas novelas pode gerar um romance. E que é justamente essa compilação que origina o romance contemporâneo.
B. Eikenbaum, no ensaio Sobre a teoria da prosa, diferencia romance e novela, tratando de suas características e origem. Afirma que ao romance corresponde a um jogo de palavras enquanto a novela é uma forma elementar que origina todas as produções seguintes. Essa definição de Eikenbaum influencia e permanece nos estudos literários de maneira significativa na diferenciação e conjugação dos dois gêneros.
Ainda sobre a construção da novela é o tema do ensaio de Eikenbaum — Como foi feito O capote de Gógol. No texto, o teórico fala sobre o processo de construção de Gógol e dos elementos de composição e escolha do autor: trocadilhos, descrições, elaboração de personagem e combinação de procedimentos particulares.
Vladimir Propp, em As transformações dos contos maravilhosos, elabora uma teoria sobre o conto maravilhoso que ele percebe como forma orgânica, que deve ser entendida em suas partes constitutivas sem levarmos em conta o enredo que as molda, reflexo da vida cotidiana. Apresenta 31 funções do conto elencadas a partir da percepção da personagem protagonista, estudo de analogias, considerando o conto em relação ao seu meio e origem.
Sobre as significações dos elementos particulares da obra que compõem o tema é o ensaio de B. Tomachevski, intitulado Temática. No texto, o autor comenta sobre diversos aspectos do texto narrativo a partir da elaboração do significado e importância do tema: fábula e enredo, motivação, o herói, vida dos procedimentos do enredo e os gêneros literários.
Os textos dos formalistas russos, sem exceção, debruçavam-se sobre a literariedade, traços distintivos do objeto literário, deixando de lado aspectos históricos, sociais e psicológicos, levando em conta a forma e a condução e uso dos aspectos formais do texto narrativo e poético. O que buscavam estudar e definir era algo imanente do próprio texto literário. A dedicação e produção desses estudos formais são até hoje importantes subsídios nos estudos de teoria da literatura fornecendo classificações, percepções e material para análises e pesquisas no âmbito da literatura.