Quando somos pequenos e morre alguém querido, a pergunta sai naturalmente de nossa boca: “mas para onde vai o vovô (ou a vovó, ou mesmo o cachorro)?” Nossos pais, independentemente de crença, dirão que essa pessoa irá para um lugar melhor, normalmente ao lado do ser supremo de sua crença. Acredito que nem os ateus têm coragem de dizer na lata a seus filhos que a morte é o fim e que a vida é isso mesmo, nascer, crescer e morrer. Assim, a cabeça de uma criança é um terreno fértil para imaginar que lugar é esse para onde vão os mortos, e se é possível estabelecer uma comunicação entre eles.
Em A bailarina fantasma, Socorro Acioli, escritora cearense, acredita que não só os mortos estão realmente em um lugar melhor, como só vão para lá quando terminam de fazer o que têm de fazer aqui nesse planeta. Para ela, basta estar de olhos e ouvidos abertos para acreditar que é possível sim falar com quem não está vivo, e até ajudá-los a cumprir sua missão antes de eles irem embora de vez.
A história gira em torno do Theatro José de Alencar (teatro com “h” mesmo), um dos teatros jardins mais bonitos do mundo, localizado em Fortaleza. O teatro começou a ser construído a partir de 1908 e foi inaugurado em 1910. Enquanto sua fachada é de alvenaria, seu interior é todo em ferro moldado. Todas as peças de ferro foram importadas pelo governo cearense da empresa Walter McFarlane & Co, da Escócia, e vieram ao Brasil de navio. Restaurado em 1991, até hoje o teatro é um dos principais pontos turísticos de Fortaleza. À sua arquitetura foram acrescentados jardins desenhados por Burle Marx.
Há algumas tramas correndo mais ou menos em paralelo ao longo do livro. A primeira personagem que conhecemos, no primeiro ato do livro, é Anabela, uma menina criativa, inquieta e sonhadora que vive com seu pai, o arquiteto Marcelo, outra personagem criativa e sonhadora. Ambos vivem na casa da família, uma construção antiga e histórica que difere das outras casas da elite de Fortaleza por ter sido mantida como era, com grandes jardins, pouca modernidade e muito aconchego. A mãe de Anabela morreu, e para se comunicar com ela, a filha escreve bilhetes que enterra junto com as flores de miosótis, a preferida de sua mãe, no quintal de casa.
Estamos próximos de 1991, pois Marcelo participa de um concurso público que escolherá o arquiteto responsável pela restauração do teatro. Marcelo vence e, desde o início de seu trabalho, arrasta consigo Anabela para a obra. A menina, que ao longo do livro vira moça, adora cada incursão sua ao teatro, até o dia em que vê um fantasma. Ela então foge de lá. Luciana, sua melhor amiga, resolve bancar a jornalista e vai entrevistar os funcionários antigos do teatro para saber se outros também já viram o fantasma. Suas entrevistas confirmam que há um que mora no teatro. Anabela então decide não ir mais ao teatro. No dia da reinauguração, porém, ela é obrigada a prestigiar o pai. Durante um espetáculo de dança, o fantasma conversa com ela.
No segundo ato do livro, Anabela conhece a história do fantasma, que se chama Clara. Clara é a filha do mestre de obras que construiu o teatro com o filho de Walter McFarlane, que viera ao Brasil supervisionar as obras. Clara nasce dentro do teatro e mostra desde pequena que seria uma grande artista. À medida que ela cresce, a família inteira do pai vem ao Brasil, quando Walter morre na Escócia, em 1914. A avó de Clara monta uma escola de piano e inglês no teatro, enquanto a tia monta uma escola de balé, na qual Clara é a melhor e principal aluna.
Um dos alunos de piano, um rapaz chamado Gabriel, acaba se apaixonando por Clara, e juntos vivem uma bela história de amor, tendo o teatro como pano de fundo. Mais não posso dizer, sob o risco de estragar as surpresas do livro (até certo ponto, nem são tão surpresas assim, mas de todo o modo é melhor não bancar o fofoqueiro). Nesse segundo ato, é mais a voz de Clara que conta a história.
No terceiro ato, volta Anabela como personagem principal, determinada a ajudar Clara em sua missão. Ela consegue seu intento e, com isso, ganha um bônus (também surpresa) ao final da aventura. Se o leitor espera um fantasma malvado, melhor escolher outro livro. Nesse A bailarina fantasma, temos um espectro do bem, preocupado em comunicar uma verdade que poderá transformar a vida de várias pessoas. Não há sustos horripilantes, não há fugas, não há mortos-vivos apavorando por aí. Basicamente, se a autora fosse espírita, poderia ser dito que se trata de um romance infanto-juvenil para desmistificar o perfil malvado dos fantasmas mais famosos. Clara, a fantasma do título, está mais para Gasparzinho que para Beetlejuice.
Ainda que com um enredo simples e um desfecho previsível, A bailarina fantasma pode render bons momentos de leitura, principalmente por transformar um fato histórico e um lugar turístico reconhecido mundialmente em um cenário de dois grandes amores. Só por isso, pela vontade de ir até Fortaleza conhecer o Theatro José de Alencar, já vale a leitura.