A resenha de Paulo Franchetti sobre a coletânea que organizei em torno de traduções de O corvo e de artigos de Edgar Allan Poe, publicada no Rascunho #233, me critica com razão por ter sido descuidado, ao atribuir a Poe um texto que hoje é visto como tendo sido apenas revisado por ele. Por outro lado, Franchetti também foi descuidado em sua resenha. Para começar, ele cita uma frase da minha tradução do ensaio de Poe A razão do verso, e depois transcreve uma outra frase do ensaio numa outra tradução como se fosse a tradução do mesmo trecho: “Ora, na tradução de Oscar Mendes e Milton Amado, essa mesma passagem diz…”. Não é a mesma passagem; são duas frases seguidas de um mesmo texto. Na transcrição abaixo, a frase da minha tradução citada por Franchetti é a penúltima (“O ritmo deve…”), e a que ela cita na de Mendes e Amado é a anterior (“Mas a perfeição”):
Temos de sacrificar ou a extensão correta da sílaba, conforme exige sua posição como membro de um espondeu, ou a acentuação normal da palavra na conversação. Não há hesitação, nem deve haver. De imediato, abrimos mão do som em prol do sentido, e o ritmo torna-se imperfeito. Nesse caso a imperfeição é muito pequena, nem mesmo uma pessoa em dez mil seria capaz de detectar a imperfeição de ouvido. Mas a perfeição do verso quanto à melodia consiste em jamais exigir nenhum sacrifício desse tipo. O ritmo deve concordar ponto a ponto com o fluxo da leitura. Essa perfeição nunca foi atingida, mas é sem dúvida atingível.
Mas o problema não é só esse. Franchetti me acusa de ter feito “extrapolações” injustificáveis no meu ensaio sobre as teorias prosódicas de Poe. Não há extrapolação nenhuma; apenas parafraseio o que Poe diz de modo inequívoco. Vou contextualizar e explicar a passagem acima.
Poe acaba de escandir alguns versos de Byron, e em seguida afirma que, como não é absoluta a coincidência entre o ritmo dos versos de Byron e o contrato métrico por ele adotado, ou bem distorcemos a pronúncia para manter o metro, ou bem mantemos o metro e distorcemos o sentido. Naturalmente, diz ele, “de imediato” optamos por ler os versos de modo a preservar o sentido, e com isso sacrificamos o ritmo, que se torna imperfeito. A imperfeição é “muito pequena”, mas — Poe afirma com todas as letras — idealmente não deveria haver nenhuma discrepância; a leitura do verso não deveria “jamais exigir nenhum sacrifício desse tipo” — isto é, desviar-se do metro, por menor que seja o desvio. Assim, para ele o ideal a ser atingido é justamente o que é exemplificado pelos ridículos versinhos “Virginal Lilian” etc. Ao dizer que Poe está apenas dando um exemplo de relações matemáticas, e não de modelo de perfeição poética, Franchetti deixa claro não ter lido com atenção o que Poe está dizendo, da maneira mais clara e inequívoca.