Se há algo que pode estragar uma boa idéia, é achar que ela por si só gerará um grande trabalho. Há pencas de exemplos por aí de obras sensacionais em sua criação, mas de gosto duvidoso após a sua execução. O mais recente trabalho de Maria Alzira Brum Lemos, A ordem secreta dos ornitorrincos é um exemplo desta longa linhagem de títulos que prometem mas não cumprem.
A princípio, a idéia é muito interessante. Uma historiadora, que decide fazer o seu doutorado, escolhe como tema de sua tese pesquisar sobre a praticamente desconhecida Ordem Secreta dos Ornitorrincos, surgida em Portugal no século 16 e até então objeto de apenas um artigo acadêmico. A historiadora nos comenta por que escolhe o tema, revira algumas partes de seu passado — a sua paixão por colecionar objetos, o pai caixeiro-viajante, a mãe que sonhava com uma outra vida, a namorada da historiadora, a sua rotina com remédios homeopáticos — e parte para Portugal para pesquisar sobre sua a Ordem Secreta.
A partir daí, começa a grande confusão. De uma maneira geral, vemos a mesma história sendo recontada diversas vezes, sob pontos de vista diferentes — ora o pai da historiadora, ora sua mãe, ora a cantora de boleros que ela poderia ter se tornado caso não seguisse sua profissão; enfim, uma quase infinidade de personagens — que vão se fundindo e se separando. O efeito é até um certo ponto interessante, pois pega opiniões que já formamos ao longo da leitura sobre alguns personagens e dão um novo enfoque à sua história, confundindo e embaralhando o leitor que perde o seu ponto de referência para ter que repensar e recriar o tema central do livro.
O vaivém poderia, se bem utilizado, dar diversos pontos de vista a uma mesma narrativa. Como se sabe, cada um conta a mesma história de sua maneira, acrescentando um ponto ali, outro lá. A verdade costuma estar na via de meio, na média que se faz de cada relato (se todos os narradores quisessem mesmo contar a verdade, não existiriam advogados, o Éden estaria restabelecido). Mas Maria Alzira vai e vem muitas vezes a um mesmo ponto. A cada nova versão da história, o pai da narradora tem uma profissão diferente, a mãe da narradora tem uma vida diferente, a origem de um possível nome dos tantos que aparece tem diferentes versões.
São tantas as possibilidades que, longe de dar um sentido coeso ao texto, provocam a confusão no leitor pelo aparente prazer de confundir. Não parecem ter muito sentido os momentos que vão se sucedendo e sobrepondo. Mesmo o argumento inicial, o da procura pela Ordem Secreta dos Ornitorrincos, que poderia ser a ligação entre todas as outras pontas do romance, perde-se pelo caminho e, quando citada, mais parece uma caricatura do que poderia ter sido do que um objeto de pesquisa crível para o leitor.
Talvez seja este o ponto que prejudica a leitura mais prazerosa de A ordem secreta dos ornitorrincos. Os personagens que se repetem a cada versão estão ligados apenas pela semelhança, mas não pela história. Os objetivos de pesquisa e procura variam conforme o relato, conforme o relatado, diluindo-se ao longo das páginas sem dar um conjunto à obra. Tivesse a autora segurado um pouco a sua vontade de conceder tantas asas às múltiplas realidades possíveis de uma história, o texto teria ganhado em coesão e força, seguido um rumo mais lógico, mesmo sem seguir uma ordem cronológica ou causal, que permitisse um melhor entendimento por parte do leitor. Como veio, mesmo quem está acostumado com idas e vindas freqüentes acaba se perdendo em alguns momentos.