No início de Céu de origamis, novo romance policial de Luiz Alfredo Garcia-Roza, o delegado Espinosa ainda se recupera da cirurgia sofrida após o seu último caso, quando foi esfaqueado e quase morreu. Este novo livro marca a sobrevivência de Espinosa, não apenas literalmente.
Nos dois últimos trabalhos de Garcia-Roza, Na multidão e Espinosa sem saída, os fãs do delegado puderam temer pelo destino literário do personagem, estrela de oito em nove romances do escritor carioca. Parecia que Espinosa, ou mais propriamente seu criador, estava perdendo o fôlego.
Céu de origamis revigora Espinosa, ainda que o livro tenha uma derrapada feia em seu desfecho. Mesmo em licença médica, Espinosa é procurado para investigar o desaparecimento misterioso de um dentista, que sumiu sem qualquer vestígio de violência ou suspeita de que possa ter sido assassinado ou seqüestrado.
Garcia-Roza retorna com os tradicionais ingredientes das aventuras de Espinosa: mortes, suspense, uma linda mulher a atormentar o delegado. Até o jovem filho de Espinosa volta do exterior para morar com o pai, adicionando à obra algumas páginas interessantes sobre a relação entre os dois. A verdade, porém, é que Espinosa não sabia ser pai. Faltava a ele a experiência continuada que é a única que habilita os pretendentes a pais. Ele nem sequer era pai de fim de semana ou pai quinzenal. Era pai de férias anuais. Surgira entre eles uma sintonia cujo ajuste era anual, e não diário. Eram dois estranhos que se queriam bem, e que não sabiam como praticar esse querer bem.
A trama é bem construída, bem escrita, instigante, com bons diálogos e discussões realistas sobre a vida dos personagens. Discussões que fazem o leitor refletir mais que nos livros anteriores do inteligente delegado.
São ingredientes que tornam os romances com Espinosa mais que simples histórias policiais, pois fazem o leitor encantar-se com o carisma e com a consistência humana do personagem. Ingredientes que os leitores de Espinosa já estão acostumados a encontrar, e que nos dois últimos livros foram atrapalhados pela inverossimilhança na trama, em Na multidão, e por erros de continuidade, em Espinosa sem saída.
Céu de origamis tem personagens interessantes, como Cecília, secretária competente e dedicada do dentista desaparecido; e a mulher deste, que tenta seduzir Espinosa e busca armar uma situação que coloque a carreira do delegado em xeque, justamente no ponto que Espinosa mais valoriza, a ética profissional. Ela consegue inverter a situação. De suspeita, passa a vítima e acusadora, enquanto Espinosa passa de investigador a acusado. E o pior é que, se examinarmos fria e cuidadosamente cada acusação feita por ela, o conjunto é perfeitamente coerente, embora falso.
Espinosa é tão bom que é lamentável que não tenha um tratamento melhor na editora de Garcia-Roza. Sem dúvida, o delegado criado por Garcia-Roza é hoje um personagem consolidado na literatura brasileira, que poderia ser mais popular com uma estratégia mais ousada de publicação e divulgação. Ele está muito acima do modelo simples de edição que a Companhia usa nos romances policiais que publica.
A volta de Espinosa, em grande e consistente estilo, é tão gratificante que supera a falha nas três últimas linhas de Céu de origamis, em que Garcia-Roza sucumbiu à obviedade dos filmes policiais de segunda linha. Não fosse o carisma de Espinosa e a alegria por seu retorno, esta resenha poderia até ser sobre como três linhas podem estragar um bom romance de 264 páginas, até então irretocáveis.
Espinosa é um policial tão eficiente que salvou até seu criador, pelo menos nesta resenha. Bom retorno e vida longa ao delegado.