A rigor, não há prêmio literário que garanta a qualidade do trabalho de seus vencedores, que lhes confira a consagração unânime ou mesmo lhes assegure mais do que alguns dias de fama e exposição na mídia. A princípio, uma obra premiada nada significa quando analisada sob o ponto de vista artístico ou estético. Em muitos casos, aliás, o prêmio é visto como uma formalidade meio ridícula, oficialesca, capaz de engessar qualquer artista, de moldar seu pensamento e seu estilo de acordo com as normas desse ou daquele mercado. Mesmo assim, é raro ver escritores recusando prêmios. Há o dinheiro. E a divulgação espontânea. E a celebridade. E a chance de profissionalizar o seu ofício, de melhorar a vida. Atrair novos leitores ao seu nicho.
A cada ano, a cada Nobel de literatura distribuído, a cada debate sobre o caráter politiqueiro dos suecos, o Brasil discute o que uma premiação desse porte faria pelo nosso mercado editorial. Sobre o tema, o Rascunho consultou oito escritores brasileiros. Quem seriam nossos candidatos? De que forma um Nobel melhoraria as condições para se produzir e vender a literatura brasileira, dentro e fora do país? O que significa o Nobel? E as premiações para escritores, em geral, trazem que benefícios (além dos financeiros) para a produção dos premiados?
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Menos isolados
Affonso Romano de Sant’Anna
Minha indicação é Ariano Suassuna. Na entressafra em que estamos, quando os mestres modernistas já se foram e uma nova geração ainda não nos trouxe as obras de sua maturidade, Ariano se destaca claramente.
Sua obra forte e singularíssima é conhecida em muitos países. Enraizando-se no espaço nordestino, extrapolou as fronteiras e contingências geoculturais. É um autor brasileiro e internacional. É poeta, é dramaturgo, é romancista épico. Desenvolve um projeto coerente e fecundo desde os primeiros escritos. É um reinventor, um disseminador. Seu pensamento e sua ação geraram movimentos musicais, teatrais, nas artes plásticas e na literatura.
Provavelmente a sua escolha ou a de qualquer outro brasileiro para o Nobel não desencadeará uma “descoberta” da literatura brasileira. Dificilmente outros se beneficiarão com isso, mas os brasileiros se sentirão menos isolados na festa literária internacional.
Affonso Romano De Sant’anna é poeta. Autor de Que país é este?, Textamentos, Vestígios, A poesia possível e O lado esquerdo do meu peito, entre vários outros. Mora no Rio de Janeiro (RJ).
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Desmoralizado
Alexei Bueno
Creio, pessoalmente, que o prêmio Nobel de Literatura é, excetuando o da Paz, o mais desmoralizado de todos. Grande parte dos ganhadores são figuras secundárias, literariamente mortas, das quais, como no verso de Pessoa, “o nome é morto, inda que escrito”. A grande maioria dos maiores escritores vivos durante a sua vigência não o recebeu, a começar por Tolstói, morto em 1910, tendo o prêmio sido outorgado desde 1901. Por outro lado, as indesculpáveis mediocridades são numerosas. É um prêmio político e aleatório. O Chile o recebeu duas vezes, enquanto duas literaturas imensamente mais ricas, como a argentina e a brasileira, não o receberam. Se alguém no Brasil o mereceu foi obviamente Guimarães Rosa, assim como em Portugal (Pessoa não teve quase nenhum reconhecimento em vida) um Aquilino Ribeiro ou um Miguel Torga, antes do que finalmente contemplou a língua portuguesa. Em outras palavras, é um prêmio de transcendente importância para o ganhador e seus editores, e de nenhuma importância, como qualquer prêmio, para as literaturas.
Alexei Bueno é poeta. É autor de A chama inextinguível, A juventude dos deuses e A decomposição de J. S. Bach e outros poemas, entre vários outros. Mora no Rio de Janeiro (RJ).
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O Nobel é fichinha
João Filho
O Nobel significa muito para o bolso de quem o recebe, mesmo sendo um velho banguela e caquético, dinheiro desimporta a idade, e num país que trata tão bem para a cova os seus velhos, se um brasileiro o ganhar, já é uma segunda certeza: não morre na miséria. Fora isso, as vias (todas possíveis) que se arregaçarão para o autor o ajudarão a lustrar com ou sem decência sua vaidade (ou auto-estima, quem sabe?) e o prepararão para o busto da inutilidade futura.
Voto sem cabresto no mesmo a quem o Sebastião Nunes anda fazendo campanha — Millôr Fernandes. Não há outro candidato.
Se o Nobel melhoraria ou não as condições de se produzir e vender literatura brasileira, não estou por dentro das estatísticas. Será que fizeram alguma com o Saramago? — que em língua é o mais próximo de nós. O significado do prêmio, como tudo no mundo, é relativo. Tantos são os laureados que são somente lidos em seus respectivos países. E creio que muitos nem assim. Premiações fazem bem, dependendo de quem as ofereça. Porém, até mesmo os louros gregos não decaíram? Que dizer dos nossos 10%? O Nobel é fichinha, já sonho com o Céu!
João Filho é poeta, prosador e blogueiro (www.cabezamarginal.org/joaofilho/). Autor do livro de contos Encarniçado. Mora em Salvador (BA).
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Final de carreira
Marcelo Carneiro da Cunha
Se a gente pensar nos pesos-pesados que representam o que o Nobel tem de melhor, não creio que exista nada sequer próximo no Brasil. Machado e Drummond teriam a dimensão e a qualidade extraterrena que isso mais ou menos demanda, mas precisamos de vivos, não?
Diante de um Coetzee no entanto, ou de uma inacreditável Pearl S. Buck, ou de africanos desconhecidos antes do prêmio e muito pouco após, dá para achar que a gente tem time. Eu acho que somente o Carlos Heitor Cony tem a coisa, a dimensão, na literatura feita hoje no Brasil. Para completar uma lista de indicados, Dalton Trevisan e Rubem Fonseca pelos contos, mesmo que eles não tenham o divino como alvo — que, supõe-se, é o material dos que buscam o Nobel. Um Nobel traz luz para a literatura de um país, pelo que representa como referência numa área de tão escassas referências internacionalmente reconhecidas. Portanto, deve ajudar, sim, a vender livros de outros autores daqui lá fora. Nobel é prêmio para quem está em final de carreira e já disse o que tinha que dizer. Virar um vencedor do Nobel torna o sujeito um ex-escritor no mesmo instante. Por esse motivo, e somente por esse, espero não ser eu o vencedor do próximo.
Marcelo Carneiro Da Cunha é escritor e roteirista. Autor de O nosso juiz e Simples — O amor nos anos 00, entre outros. Mora em Porto Alegre (RS).
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Icó e Xiquexique
Mauro Pinheiro
Não vejo, pessoalmente, muita imparcialidade no prêmio Nobel de literatura, tampouco no Jabuti, no Portugal Telecom e em outros mais que proliferam no Brasil. Não que a eles falte honestidade, mas legitimidade. Os suecos que decidem outorgar mais de um milhão de euros a um autor escolhido, embora sejam homens cultos e, até que se prove o contrário, ilibados, só lêem obras escritas em inglês, francês, alemão, dinamarquês, norueguês, sueco (óbvio) e, alguns, em espanhol. Os livros em língua portuguesa — assim como em húngaro, chinês, russo, albanês, etc —, são lidos através de traduções, que, como se sabe, podem ou não conservar a força do texto original. Assim, se pretensões houver de que um brasileiro seja agraciado com o Nobel de literatura algum dia, seria necessário contar com o talento dos tradutores, que mereceriam então receber parte dessa fortuna.
Senão, numa comparação geograficamente mais próxima, essas probabilidades são as mesmas que as de um autor brasileiro de Icó ganhar o Jabuti com um livro editado artesanalmente em Xiquexique.
Os benefícios que, por ventura, essas premiações possam trazer, eu desconheço, mas é possível que alavanquem a carreira de alguns autores, ainda que, na maioria das vezes, os prêmios nacionais (excetuando-se talvez os da APCA) sejam dados a autores que não precisam realmente disso para vender livros e abastecer suas contas bancárias.
Mauro Pinheiro é escritor. Autor de Concerto para corda e pescoço, Cemitério de navios e Aquidauana.
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Nosso orgulhoso complexo de inferioridade
Raimundo Carrero
Nunca tivemos um prêmio Nobel de Literatura pelo óbvio: nunca nos respeitamos. Nunca tivemos uma política literária para o exterior sequer razoável. Qualquer secundarista sabe que temos uma língua — a portuguesa — pouco competitiva. Nunca vendemos, seriamente, a nossa cultura. Os Estados Unidos apostaram no produto: conhecemos o cinema, admiramos o jazz, amamos o blues. E nem sabemos como é mesmo os Estados Unidos. Não resta dúvida de que um Ferreira Gullar, um Ariano Suassuna, um Autran Dourado têm obra para alcançar o prêmio. Precisamos perder esse orgulhoso complexo de inferioridade, como já pedia Mário de Andrade. Esse orgulho nos custa muito caro, corrói e desgraça. Um Nobel colocaria nossa ampla biblioteca no mercado europeu e avançaríamos muito. Aprenderíamos e ensinaríamos. No entanto, devemos reconhecer: uma premiação é saudável para impulsionar a obra de um autor, mas não o consagra. Quem consagra é a própria obra. Sempre. Um autor jamais deve se impressionar com um prêmio.
Raimundo Carrero é escritor. É autor de Os segredos da ficção — um guia da arte de escrever, Somos pedras que se consomem e As sombrias ruínas da alma, entre outros. Vive em Recife (PE).
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Equívoco generoso
Thiago de Mello
Não consigo levar o prêmio Nobel muito a sério. Primeiro: porque ele não altera, nem para melhor nem para pior, a qualidade da obra do premiado. Depois: o verdadeiro prêmio de um escritor é o apreço de seus leitores, incluindo o amor dos que só vão sentir a beleza da sua obra quando estiverem atravessando o rio do tempo. De resto, das andanças minhas pelo mundo, conheço com pormenores a intimidade do trabalho perseverante de escritores pela indicação e pela premiação do seu próprio nome.
Concordo que o melhor do Nobel vai para os editores e leitores. Tão logo se sabe o laureado, suas obras estão nas livrarias, em traduções às vezes sofríveis porque apressadas. Faz bem à literatura, é bom serviço para que a obra de um escritor — e, portanto, da criação artística literária do seu país — seja conhecida por leitores de outros cantos do mundo.
Concedo, sim, que o Nobel favorece encantos e comodidades ao premiado, que livre das urgências da vida, ganhe melhores condições para trabalhar.
Borges, o genial argentino com quem muito conversei e sobre quem escrevi o livro Borges na luz de Borges, me disse, numa tarde portenha, que o Nobel era quase sempre um “equívoco generoso”. Ponderei que pesavam, na concessão do Nobel, razões ideológicas ou de circunstâncias. Os concedidos aos escritores da nossa América — desde o de Gabriela (Mistral) até o de Neruda, com Miguel Angel e Gabriel (García Márquez) de permeio — não foram fruto de equívocos. Todos muito bem merecidos, sem embargo do empenho apaixonado de alguns membros da Academia sueca. Andei pelos cantos do mundo do nosso ofício, conheço os seus atalhos.
Qual o escritor brasileiro para o Nobel? Os puros merecedores já estudam a “geologia dos campos santos”. Dos vivos, qualquer um, de todos os poetas que amo, que me dão essa felicidade que só a poesia consegue dar. E os romancistas, com quem aprendo a saber dos mistérios da alma humana, a começar pela minha. Nomes, não vou dar, porque não quero dar perfeição à peçonha do ninho de cobras no qual mal convivemos os escritores brasileiros.
Thiago De Mello é poeta. Autor dos livros Silêncio e palavra, Narciso cego, A canção do amor armado, Mormaço na floresta, Num campo de margaridas e De uma vez por todas, entre muitos outros.
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Auê internacional
Wilson Bueno
Nesta ligeira e pequena reflexão sobre nobéis e jubilados, tenho que possuímos uma das mais férteis literaturas do mundo, mas escrevemos em idioma tumular, mais exótico e estranho, para muito alienígena, do que o búlgaro ou o servo-croata…
Mas a hora em que nos descobrirem, ou quando efetivamente nos descobrem, aqui e ali, um Machado, uma Hilda Hilst, uma Clarice Lispector, aí é aquele auê internacional. Mas é tão complexo que isso aconteça que, mesmo quando acontece, é tão rarefeito que, de novo, ficamos na periferia do mundo — cultivando o Português, esta última Flor do Lácio, inculta e bela, longe das nóbeis láureas, de resto quase sempre politiqueiras. Mas um prêmio é um prêmio é um prêmio — seja qual for. O melhor é o de nossa aldeia, ou da nossa adolescência, aquele que a gente ganha, no ginásio, por haver escrito a melhor redação. Que júbilo — o filho da costureira venceu o concurso literário de todo o colégio. Não há alegria que pague. O resto é literatura.
Wilson Bueno é escritor. É autor de Mar paraguayo, Amar-te a ti nem sei se com carícias, Meu tio Roseno, a cavalo e, entre outros, do recém-lançado Cachorros do céu. Mora em Curitiba (PR).