Na Argentina de 1976, a atriz Graciela Jarcón, famosa por atuar em comédias, aceita o convite para interpretar Lady Macbeth na célebre peça de Shakespeare. Seu objetivo é provar à crítica especializada, ao público e a si mesma que tem capacidade para encarar papéis mais sérios. O desafio se torna ainda maior quando, no dia da estreia, em 23 de abril de 1977, ela se vê assombrada pelo medo paralisante do palco.
Paralelamente, um novo capítulo da repressão no país se inicia a partir do golpe de Estado de 24 de março de 1976, responsável por depor a presidenta Isabelita Perón e instaurar a ditadura militar argentina — que duraria até 1983 e seria responsável por milhares de mortes e desaparecimentos.
Enquanto isso, na redação do El Nacional, duas jornalistas bem diferentes entre si, Milena e Victoria, lidam com os acontecimentos culturais e políticos de Buenos Aires, cada uma a sua maneira.
Todas essas tramas — contadas em capítulos que intercalam acontecimentos de 1951, 1952, 1976 e 1977 — fazem de O palco tão temido, romance de estreia de Renata Wolff, um livro repleto de movimento e intensidade.
No centro da narrativa está Graciela Jarcón, atriz que tem sua história revelada pouco a pouco, a partir de eventos que abordam as dificuldades do início da carreira, as primeiras oportunidades, as rivalidades, a ascensão e as relações com diretores, atores e imprensa.
Aliás, a crítica publicada em um jornal é o que leva a atriz a aceitar o papel de Lady Macbeth. No texto em questão, o crítico aponta falta de ousadia à Graciela e afirma que, embora ela seja competente na comédia, seus papéis são sempre muito parecidos.
As histórias ocorridas entre o início da década de 1950 e a data da estreia da peça, em 1977, desenham suavemente as múltiplas camadas da protagonista e dão um ritmo próprio à narrativa, com cenas que chegam a ser contemplativas, mas que jamais se aproximam do tédio.
Esses mesmos caminhos retornam constantemente à Nelly Lynch, uma espécie de mentora de Graciela Jarcón. No passado revisitado, ela desempenha o papel da figura rígida que está disposta a ajudar. Ou seja, é aquela que ensina por meio de lições que beiram à crueldade — algo aparentemente estabelecido como necessário no imaginário que ronda o fazer artístico.
Também fica evidente a relevância de Rafael desde os primeiros passos da atriz. Ele — que acaba por se tornar marido de Graciela — acompanha as primeiras frustrações, mas também celebra junto os primeiros papéis relevantes e os convites para novos projetos.
Ao longo de uma carreira que começa com “trinta dispensas para cada chance” e “alguns papéis de duas falas que serão rapidamente esquecidos pelo público”, Graciela Jarcón alcança na comédia o seu espaço. Diverte com sua agilidade, seus movimentos e sua presença. Contudo, como Nelly Lynch já havia alertado, chega um momento em que qualquer atriz de sucesso é desafiada a fazer uma tragédia clássica no teatro.
Com o medo do palco em contraposição à vontade de provar a todos a sua capacidade de ser uma “atriz séria”, a autora constrói um suspense bastante eficaz em relação à estreia da peça. Afinal, Graciela estará ou não no palco?
As jornalistas
Essa dúvida não é a única responsável pelo clima de suspense que se instala no romance. Victoria, uma das jornalistas do El Nacional, tem uma vida dupla. Escreve resenhas e previsões de horóscopo no jornal, mas se dedica clandestinamente à militância política ao lado de amigos como Cacho e Ernesto.
De forma discreta, coleta informações que chegam ao veículo de imprensa e contata familiares de pessoas desaparecidas para tentar ajudá-las. Sua situação se torna cada vez mais insegura quando sindicalistas e estudantes começam a desaparecer com uma frequência cada vez maior e ela passa a desconfiar que está sendo vigiada.
Sua chefe no trabalho, a jornalista Milena, assim como Graciela Jarcón, parece se interessar pouco por política. Por outro lado, essa falta de comprometimento com os ideais revolucionários não a torna uma personagem menos interessante que sua colega de profissão.
Milena, aliás, é quem “contracena” com Graciela Jarcón em um dos trechos mais interessantes do livro: uma entrevista em profundidade em que a atriz faz confissões, relembra o passado, foge de perguntas constrangedoras e troca provocações com a repórter.
Personagens secundários
Em meio a interessantes tramas paralelas, o romance se desenvolve em um ritmo envolvente e estabelece conexões cada vez mais nítidas entre as personagens e o cenário político e cultural argentino.
Inclusive, nesse ponto, outra habilidade da escritora chama a atenção: a de apresentar muitos personagens secundários sem deixá-los sobrando na trama. São pessoas que desempenham um papel relevante à narrativa ou que estão ali para evidenciar o quanto o universo artístico, embora vasto, dá indícios de ser um meio em que todo mundo se conhece, ainda que minimamente.
Aliás, outro acerto nesse ponto são as referências a figuras que estavam em evidência na época — como o artista visual e cineasta Andy Warhol — ou que são parte da história cultural da Argentina — como o músico Carlos Gardel.
O título
Outro artista real que aparece na obra — inclusive no prólogo e no epílogo — é o escritor uruguaio Juan Carlos Onetti. Não por acaso, o título de Renata Wolff vem de um conto de Onetti: O inferno tão temido, história em que uma mulher passa a enviar ao ex-marido fotos na cama com outros homens. Esse conto é citado e discutido algumas vezes durante o romance, até porque ambos os enredos estão conectados de forma sutil e, ao mesmo tempo, inegável.
Com um livro de contos e um de poemas já publicados, Renata Wolff estreia no gênero romance com fluidez e densidade, ao apresentar um texto de maior fôlego com três personagens centrais igualmente interessantes.
A narrativa também chama a atenção pela verossimilhança, não só em relação aos acontecimentos históricos da Argentina das décadas de 50, 60 e 70, mas também ao retratar os assédios e abusos sofridos por atrizes — algo ainda bastante comum nesse e em tantos outros meios.
A partir de intenso trabalho de pesquisa e uma escrita madura e irresistível, a escritora provoca uma verdadeira imersão ao descrever cuidadosamente cenários, prédios, ruas, roupas e até tons de iluminação, sem permitir que isso distancie leitores e leitoras do enredo.
O livro também pode ser encarado como um delicado estudo sobre as artes em geral, uma vez que aborda de maneira intimista os anseios, as vaidades, as rupturas e as paixões tão comuns a esse universo. É como se Graciela Jarcón e seu palco funcionassem como elegantes metáforas a respeito das nuances que interagem com o medo, o desejo, o ego e a necessidade de se provar.