Dificilmente um autor consagrado consegue continuar lançando bons livros depois de uma determinada idade. Dois exemplos “de casa” são Dalton Trevisan e Rubem Fonseca que, em seus últimos livros de ficção (respectivamente Macho não ganha flor e Ela e outras mulheres, ambos de contos), conseguiram realizar trabalhos apenas razoáveis. Nenhum dos autores chegou ao nível de suas grandes obras. Mas, é claro, não se pode mais cobrar isso deles, e os seus últimos e razoáveis livros não diminuem em nada as suas biografias e reputações.
Caminhando ao lado de Trevisan e Fonseca parece estar o norte-americano Philip Roth, de 74 anos. Um de seus livros mais recentes, O animal agonizante (2006), foi alvo de algumas (poucas, é verdade) duras críticas; as resenhas do livro, em sua maioria, foram amenas e justas, mas poucas foram as críticas efusivas e entusiasmadas. Em quase todas há a presença dos considerados seus melhores livros, como O complexo de Portnoy e O teatro de Sabbath, como se fossem fantasmas a assombrar as novas obras de Philip Roth.
Homem comum segue a trilha de O animal agonizante. Elogiado por uns, criticado por outros, o livro não passa de uma novela mediana. Nela existem algumas passagens brilhantes, mas imperam clichês e construções fáceis e desgastadas. A salvação está em seu enredo que, apesar de ser um lugar-comum, proporciona ao leitor importantes reflexões.
O protagonista é um diretor de arte de uma agência publicitária. Logo no início, presenciamos o seu enterro. Essa cena, aliás, é composta por uma sucessão de “obviedades ululantes”, que se justifica apenas se considerarmos que Roth a fez assim de propósito. Afinal, o título do livro é Homem comum, e ele pretende, ao menos é o que parece, contar uma história comum, que poderia ser a de qualquer homem. Como boa parte da vida de um ser humano é feita de clichês, podemos entender a escolha narrativa feita por Roth. Supondo que ele tenha pensado dessa maneira, óbvio.
Conhecemos boa parte da infância e da vida adulta do protagonista. Sua juventude não é tão abordada, apesar de o livro ser um elogio à juventude. A velhice, tema constante, é tratada com desprezo, e definida assim: “não é uma batalha; a velhice é um massacre”.
A novela mostra a vertiginosa degradação de um homem, que tem início nos seus 34 anos. De repente, ele começa a se preocupar de forma excessiva com a morte. Pouco tempo depois descobriria estar com apendicite. A partir daí, sua saúde seria motivo de constante preocupação. Há passagens em que Roth narra essa pequena odisséia de uma maneira tão fria que chega a incomodar. É como se a vida do protagonista não significasse nada, como se fosse apenas mais uma entre tantas vidas. O que não deixa de ser verdade, no fim das contas.
Pai de três filhos e ex-marido de três mulheres, o protagonista de Homem comum só conseguiu manter o amor de sua filha, Nancy, único fruto de seu segundo casamento. Sua primeira esposa o odiava; a segunda, Phoebe, quase isso; e a terceira, uma jovem modelo, desaparece sem Roth explicar como (se bem que nem precisa). Muito provavelmente foi embora depois de perceber o quanto a velhice levou daquele homem com quem ela, num impulso juvenil, casara. Seus outros dois filhos o ignoravam e ele não tinha mais contato com seus amigos. Em parte por escolha própria, em parte pelo rumo que, sem perceber, sua vida tomou, afastou-se de tudo e de todos, inclusive de seu irmão mais velho, Howie, que tanto admirava. Morando em uma casa na praia, mantinha contato freqüente apenas com Nancy, por telefone.
Quando jovem, ele gostava de nadar, e fazia isso com vigor. Com o passar do tempo, sua saúde deu lugar a uma série de doenças. Suas idas a hospitais e internações tornaram-se cada vez mais freqüentes. Com isso, ele não estava perdendo apenas a saúde. Perdia também, cada vez mais, a gana de viver. Ele queria viver, queria viver com saúde. Mas, ao ver que isso não era possível, parece começar a se esconder, para que os outros não vejam a sua fragilidade.
O escritor e crítico Sérgio Rodrigues definiu assim Homem comum: “é um livro estranho. Assimétrico, insatisfatório, inconclusivo, quase que se pode dizer inacabado, parece querer espelhar a própria trajetória humana entre nascimento e morte. E de certa forma consegue”. Poderia ser um romance, mas não é; parece falar de todos os homens, mas não fala. A impressão que se tem é a de que Philip Roth tentou resumir todos os homens em um só. Não consegue, é verdade, mas, ao narrar a trajetória de um homem que de repente perde as rédeas de sua vida — se é que algum dia ele chegou a tê-las em mãos —, chega perto. No caso de Homem comum, valeu, e muito, a tentativa.