Dialética à mesa de um bar na orla de Copacabana

Crítica de "Uma Janela em Copacabana" abandona o velho clichê dos longos parágrafos com citações para inglês ver (ler) e adota o modo socrático de discutir as qualidades e defeitos de um livrinho inofensivo como o de Luiz Alfredo Garcia-Roza
Luiz Alfredo Garcia-Roza, autor de “Perseguido”
01/12/2001

Não sei como começar, eu nunca sei como começar.

Começa aí de qualquer jeito.

Mas daí vão dizer que eu fiz nariz-de-cera.

O que é isso?

É quando a gente enrola para começar a escrever sobre alguma coisa.

E que mal tem nisso?

Sei lá, mas dizem que é ruim.

Pois eu trato de comprar a cera.

Isso não soluciona o nosso problema.

O seu problema.

O meu problema, tá, não soluciona o meu problema, que é começar esta resenha.

Comece como sempre.

E como é sempre?

Comece contando a história do livro.

Mas isso é coisa de principiante.

E você pensa que é o quê?

Principiante, ora, mas não ao ponto de começar contando a história do livro.

Quer radicalizar?

Diga lá!

Comece então contando o final do livro.

Tá maluco? Vão me matar, principalmente a editora!

Então comece contando como você entrou em contato com o livro, aquela coisa toda.

Tá, vou tentar começar deste jeito, mas tenho certeza de que não vou agradar.

Começa, ora.

Entrei em contato com Uma Janela em Copacabana através da imprensa…

Da imprensa?

É, como é que você acha que eu entraria em contato com o livro?

Sei lá, passando em frente às livrarias.

Nós, críticos….

Resenhistas!

Tá, nós, resenhistas, temos acesso aos livros antes de eles chegarem às livrarias, através dos releases que as editoras mandam para a gente.

O que são releases?

São uns papéis, alguns bem escritos, mas a maioria mal escrita (infelizmente), que resumem os livros para nós, os preguiçosos críticos…

Resenhistas!

Ah, sim, os preguiçosos resenhistas. Pois é, ao contrário dos pobres mortais, nós temos acesso aos livros antes mesmo de eles chegarem às estantes das livrarias — quando chegam, né?

E, continuando, foi assim que você entrou em contato com Uma janela em Copacabana.

Não, foi antes.

Isso tá ficando complicado, cara.

Nós, críticos, somos complicados.

Tá, mas continue.

Posso dar uma respirada, ao menos?

Pode.

(…) Eu já conhecia o tal livro de ouvir falar que o escritor iria escrever uma espécie de Janela Indiscreta à brasileira.

Não entendi.

Era óbvio que você não entenderia.

Janela Indiscreta….

É aquele filme do Hitchcock…

Quem?

Esquece que eu vou começar do princípio: eu soubera que o autor iria escrever um livro baseado num clássico do cinema, o tal Janela Indiscreta de que você jamais ouvira falar, mas antes disso eu já ouvira falar do autor, só jamais tivera paciência para lê-lo.

Preconceituoso…

Não, não se trata de preconceito, trata-se somente de receio, afinal, a biografia do cara era perfeitinha demais.

Mas que comentário mais idiota.

E quem diz que nós, os críticos…

Resenhistas!

…que nós, os resenhistas, não temos nossos ataques de idiotice de vez em quando? Somos humanos, apesar de os autores acharem que nossos comentários são sobre humanos, mas isso é outra história.

Que eu quero ouvir.

Há de ouvir, há de ouvir, garanto-lhe. Então primeiro eu vou começar a falar sobre o autor, tá?

Tá.

Tem que ser assim, né, afinal, o autor nasceu para ganhar destaque nas resenhas. Acho que o livro nem deveria ser escritor, bastava o nome do autor na capa.

Eta gentinha cheia de vaidade, hein? Nunca vi igual!

Pois bem, o autor deste Uma Janela em Copacabana é um tal de Luiz Alfredo Garcia-Roza.

Luiz com zê ou com esse?

Com zê.

Tem certeza?

Claro.

E por que Garcia-Roza tem hífen?

Ah, sei lá. É o nome do cara.

E o que é que ele faz, além de escrever romances policiais, porque ninguém vive de literatura no Brasil, né?

Como não?! O Paulo Coelho vive, o Jorge Amado vivia…

Digo escritor escritor mesmo…

Ah, tá. Bem, vamos voltar ao autor.

Fala aí, você é que é o crítico.

Resenhista! Resenhista! Então, como eu ia falando, antes de ser bruscamente interrompido por um idiota como você, o Luiz Alfredo Garcia-Roza…

Que nome grande, vamos simplificar e chamá-lo de Lulu?

Tá, Lulu.

O Lulu nasceu no Rio de Janeiro, em 1936, e é um acadêmico, formado em filosofia e psicologia, tendo chegado a ser professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador de um programa de pós-graduação em teoria psicanalítica….

O cara é quase um Freud?!

Por aí. Antes de entrar para o maravilhoso mundo dos livros policiais, ele escrevera diversos livros sobre psicologia e filosofia.

Esse é o autor?

É.

Simpático.

Mas acho que seria muito mais simpático se ele usasse todo este conhecimento em psicologia para construir personagens mais sólidos…

Como assim?

Ora, os personagens do Garcia-Roza, ou Lulu, como você prefere, são vazios, parecem tiras de quadrinhos policiais b, não têm o carisma dos personagens de um Rubem Fonseca, por exemplo.

E olha que o Rubem Fonseca não era professor de porra nenhuma.

Isso mesmo. Talvez o Garcia-Roza tenha ficado inibido em dar uma carga psicanalítica maior a seus protagonistas e antagonistas. Eles são bidimensionais demais.

Ainda assim, o Lulu é extremamente elogiado…

… aqui, meu caro, vamos entrar naquele terreno pantanoso.

Que terreno? O dos intelectuais.

É assim que se escreve?

É assim, sim, mas eu prefiro escrever como o Millôr Fernandes, intelequituais, que dominam as revistas literárias brasileiras.

Exceto…

…exceto esta que você lê, claro. Mas você havia me perguntado por que o Lulu é tão elogiado na universidade, e eu tenho de lhe xingar de burro, meu caro.

Por quê?!

Ora, dê uma lidinha na minibiografia dele! O cara viveu em universidades. É claro que ele seria elogiado, afinal, no Brasil ainda vivemos sobre o regime do cunhadismo ou não?

Você está sendo duro.

Estou sendo é justo.

Quer dizer que Uma Janela em Copacabana é um livro ruim.

Não, de modo algum. É um livro bem bom até. Li em dois dias, comi o livro, como se costuma dizer.

Então…

Então é que, apesar de ser bastante agradável, Uma Janela em Copacabana não passa de um livrinho policial como outro qualquer. Iguais a ele já li uns cem. Os personagens carecem de profundidade psicológica e a trama é rasteira, pequena. A certa altura, já mais para o final do livro, a impressão que dá é de que o Lulu simplesmente cansou de escrever e resolveu dar um ponto final no livro.

E de que fala o livro mesmo?

Mas eu ainda não contei a história?

Não.

Vamos lá.

Começa com um policial sendo morto. Depois outro. E outro. Aí fica aquele clima na delegacia e o delegado Espinosa, uma espécie de personagem comum em todos os livros do autor, entra em cena. Ele ordena uma investigação, que é problemática porque envolve policiais. Daí matam as mulheres dos policiais. E as amantes dos policiais. E os investigadores ficam perdidos, aquela coisa toda. E daí tem o final.

Algo surpreendente?

Sinceramente, não. Como já disse, o livro, por mais despretensioso que seja, tem que ter um mínimo de cuidado. Coisa que este Uma Janela em Copacabana não tem. Parece que o autor quis acabar o livro de uma hora para outro. E acabou.

Mas a crítica…

A crítica está elogiando, obviamente. O cara, o Lulu, como você chama, foi professor universitário. Fica mal falar mal, não é mesmo. É importante ressaltar que o autor não é ruim, só é, como direi?, fraquinho.

Comentário bobo.

Comentário de mesa de bar, como convém, às vezes,

E…

Ah, deixa eu te interromper para falar uma coisa superimportante. O livro tem uns errinhos de português que são bastante chatos. Não que o autor seja analfabeto. Quem me lê neste Rascunho sabe que às vezes há erros de digitação (sabe que a eros de dijitassão). Mas uma editora como a Companhia das Letras deveria ter mais cuidado.

Claro, claro. Você fez comparações com o Rubem Fonseca…

Eu não. É que vivem dizendo que o Lulu é o novo Rubem Fonseca. Ele não tem a virulência do Fonseca, a força social, a profundidade psicológica. Luiz Garcia-Roza está mais um Stephen King. É literatura de mero entretenimento. Querer ver mais que isso nos livros de Garcia-Roza é bobagem.

Será que os leitores chegarão até aqui?

Duvido. Eles não estão acostumados a conversar sobre livros. Gostam mais, acho, de ler paragrafões analisando coisas ininteligíveis. Este papo despretensioso é, para alguns, um insulto.

Mas você não quis insultar, né?

Claro que não. Só quis conversar sobre o livro Uma Janela em Copacabana como faço com amigos, sem pretensões de imortalidade, afinal, não sou um crítico, e sim um resenhista.

Aliás, qual a diferença entre os dois?

Acho que nenhuma, mas eles fazem questão de dizer que somos resenhistas, então é isso que somos. Mas sobretudo eu sou é um leitor.

Então fecha a conta.

Mas a gente não bebeu nada.

Mas você vai ver a ressaca que este texto vai dar. Se é que será publicado…

Uma janela em Copacabana
Luiz Alfredo Garcia-Roza
Companhia das Letras
224 págs.
Paulo Polzonoff Jr.
Rascunho