Para algumas pessoas, não importa o que elas façam ao longo de sua vida, seu destino final já está escrito. São pessoas marcadas com um fim não muito agradável, algo que lhes escapa ao controle. Claro, esta é uma visão quase religiosa da vida, de gente que a qualquer infortúnio (provocado por si próprio ou não) responde “é a vontade de Deus”. Como se fôssemos marionetes na mão de uma inteligência suprema.
Não somos títeres, temos capacidade de escrever o nosso destino. Mas os protagonistas das duas novelas de Maurício Melo Júnior, reunidas em Andarilhos, parecem não ter esta sorte. Por mais que se esforcem, há algo que impede que suas vidas sejam melhores. E os dois protagonistas devem ser admirados por seus esforços, eles não desistem nunca de tentar alterar o seu destino.
A primeira novela, Caminho só de ida, conta a história de um escravo nas Minas Gerais que foge de seu cativeiro para em busca do Quilombo dos Palmares. É uma história marcante, em que conhecemos um homem com uma fé inquebrantável na existência de um paraíso para os de sua cor de pele, comandado pelo mítico Zumbi. Este escravo fugidio percorre um bom pedaço do Brasil na procura do Quilombo, com muita fé na crença de que os puros de coração seriam naturalmente guiados para o lugar onde todos eram iguais. Ao longo de sua viagem, o escravo enfrenta uma série de desafios que apenas reforçam a sua crença de que uma fuga é possível.
Sem saber que o Quilombo já havia sido dizimado e destruído 130 anos antes, o escravo percorre de novo o caminho de dor e agonia de seus conterrâneos africanos trazidos ao Brasil anos antes. É uma luta contra tudo e todos, contra o ambiente hostil e desconhecido, contra o homem branco cruel e impiedoso, contra a própria desunião dos negros em torno de uma causa comum. Percorremos rápido as páginas, apesar do estilo de vez em quando truncado de Melo Júnior, torcendo para que o sofrimento do escravo chegue ao fim e ele tenha a paz que merece. Ele consegue, mas não da maneira que imaginávamos.
A segunda novela, Volta à seca, traz com protagonista Antônio dos Santos, vulgo Tonho da Pinta, vulgo Volta Seca, o menino cangaceiro do bando de Lampião. Depois de um período de 18 anos na prisão, Volta Seca abandona o sertão e vai tentar uma nova vida no Rio de Janeiro, ao lado da esposa que encontrou na prisão. No Rio de Janeiro, depois de dois anos vivendo de bicos, Volta Seca consegue um emprego de porteiro em um jornal. Os anos são conturbados, o Brasil está às vésperas de um golpe militar. Volta Seca, que não queria mais lembrar de sua vida no cangaço, é quase que obrigado pela sua moral um tanto quanto enviesada a retomar as armas. Melo Júnior, mais uma vez, consegue prender a atenção do leitor e fazer com que ele siga célere ao fim, tentando de alguma maneira libertar Volta Seca de seu passado, de dizer a ele que é possível sim uma nova vida. Não será um fim agradável. Mais uma vez, não veremos para ele o fim que achamos que ele merecia.
Melo Júnior consegue, até certo ponto, incorporar os trejeitos de linguagem do cangaceiro (como mostra a repetição quase exaustiva do mote “quem não for pedra que se quebre”, mas que realmente acontece na vida real). Talvez falte um pouco, mas pode ter sido uma escolha do autor, jornalista e apresentador do programa Leituras da TV Senado, para não tornar caricato o seu personagem. Se este foi o objetivo, ele foi alcançado. Na parte do escravo, se não há esta incorporação, Melo Júnior consegue ser o observador onisciente que guia e se compadece de seu observado. Eventualmente, há algum exagero nas formas utilizadas, uma linguagem um pouco mais direta poderia fazer um bem maior à novela. Mas nada que prejudique. São duas boas novelas que valem a pena.