O mago e não-escritor Paulo Coelho é ilegível por alguém que tenha o mínimo de conhecimento literário. Não adianta. Frente a qualquer paralelo traçado com o menos talentoso escritor de qualquer recanto do mundo, Coelho coleciona desvantagens. Mesmo autores de incontáveis best sellers, como Sidney Sheldon e Harold Robins, mantêm certa linearidade narrativa que falta em nosso maior vendedor de livros.
Assim intriga todo seu sucesso, embora isso, em termos literários, não diga grande coisa. Nos anos 1970, nossas livrarias foram invadidas por um poeta católico chamado Neimar de Barros. Esgotava edições e mais edições de seus livros hoje impossíveis de serem encontrados, mesmo por quem excursiona por sebos, antiquários e bibliotecas. E para engrandecimento de nossa literatura, ninguém hoje lembra quem foi esse tal Neimar de Barros.
Mas o assunto aqui é Paulo Coelho. Para desvendar seus mistérios, o jornalista e professor universitário Eloésio Paulo teve a paciência de ler e anotar os onze romances do, vamos lá, escritor. O resultado deste verdadeiro esforço está no divertido Os 10 pecados de Paulo Coelho. A rigor não se trata de um ensaio aprofundado sobre a “obra” coelhina, mas, como adverte Eloésio, esse é somente um texto de “auto-ajuda para não se ler Paulo Coelho”.
O mago é fruto de um bem articulado projeto de marketing. Primeiro se apossou de toda mística do período — final do século 20 — para avivar o desejo de aprofundamento espiritual de seus primeiros leitores. Vendeu como ninguém a imagem do mago que era capaz de domar ventos e chuvas. Este foi apenas o trampolim inicial para seu sucesso.
O fato não chega a ser, a rigor, nenhuma novidade para quem conhece, mesmo minimamente, a trajetória de Coelho. O novo no trabalho de Eloésio está na minuciosa investigação para apontar todas as fragilidades do imortal (vale lembrar que ele — Paulo Coelho — faz parte da Academia Brasileira de Letras). Ao longo do texto, Eloésio salienta alguns pecados mais conhecidos, como o desconhecimento da língua portuguesa e o suporte de textos religiosos, mas lembra, sobretudo, pecados menos explícitos, como a recorrência à auto-exaltação e a permanente modulação de seus livros à curiosidade mutante de seus leitores. É por isso que paulatinamente tem se afastado do misticismo para se entregar de braços abertos aos desejos sexuais.
Seria até cansativo repetir aqui todos os pecados descobertos nos onze livros analisados. Dois, no entanto, chamam bem a atenção. Primeiro a inconsistência. São freqüentes os erros científicos e até de cultura religiosa cometidos por Paulo Coelho. Segundo vem o desleixo. “Por desleixo, entenda-se simplesmente isto: o produto é mal acabado. (…) Manifesta-se no descuido com a linguagem, mas também nos tropeços lógicos e nas imperícias narrativas. A escrita de Paulo Coelho é apressada em todos os sentidos.”
Um dos aspectos da carreira de Coelho chama muito a atenção. Onde nasce seu sucesso no exterior? Eloésio lembra que o enredo contado tem lá seu encanto, mas é narrado da pior maneira possível. No caso das edições estrangeiras, os tradutores tratam de maquiar o texto e melhorar de maneira significativa o resultado final. Nelson Motta viveu essa experiência. Numa estação do metrô no Japão comprou uma edição em inglês de um dos livros do mago e até se divertiu com a leitura, segundo contou na última Jornada de Literatura de Passo Fundo.
Paulo Coelho é um homem de pouquíssima leitura. Seus amigos de adolescência sempre falam de uma intensa preguiça e de um declarado desprezo pelos livros. Ele mesmo confessa que tem apenas quatrocentos livros em casa. Muito pouco, convenhamos, para quem quer ser respeitado como intelectual e criador. Mesmo assim sempre nutriu — novamente recorremos ao depoimento dos antigos amigos — uma profunda ambição artística. Tentou teatro e música até acertar na literatura.
Os 10 pecados de Paulo Coelho, diante de tudo isso, não se faz como um livro ressentido, movido pela inveja. É, antes de tudo, um livro muito sério, embora se paute pelo humor. Eloésio mergulha com atenção e curiosidade neste universo de inconsistência. E sai do banho com a consciência tranqüila. É preciso em suas observações e irretocável em suas conclusões.
Logo no início do livro, o autor adverte que chegou a gostar um dia de Paulo Coelho. Lembra: “Aquele menino que cantava Ouro de Tolo viria a ser o autor deste livro, e isso descarta qualquer possibilidade de uma antipatia apriorística por Paulo Coelho, parceiro de Raul Seixas na autoria da canção. De saída, o escritor cujos ‘pecados’ se pretende apontar aqui escreveu — ou co-escreveu — um dos primeiros textos que me encantaram”. A boa notícia é que pelo menos desta culpa Eloésio está livre. Paulo Coelho não tem qualquer participação na canção Ouro de Tolo. Como mostra o livro O baú do Raul, aquela letra é somente de Raul Seixas. E isso abre nova dúvida: será que a qualidade das letras de Coelho não é mérito apenas de Raul?