A solidão, o medo, o mistério e o feio são pratos cheios para quem sabe escrever bem. Bons escritores conseguem tratar desses assuntos de forma tão intensa e lírica que mesmo o escuro e o vazio são belos, coloridos, vivos. Em Noturnos e outros contos fantásticos, o italiano radicado no Brasil Gianni Ratto prova que é um excelente escritor. Reuniu 13 delicadas e singelas histórias e as embalou em uma névoa misteriosa que explora e provoca quem lê. Desde o princípio, Ratto faz questão de mostrar que o que se seguirá nas páginas de Noturnos não é trivial. Que a imaginação será desafiada. E que a realidade ficará para o lado de fora da porta.
No conto que abre o livro, As mãos de Escher, o ítalo-brasileiro homenageia o pintor holandês Mauritis Cornelis (M.C.) Escher, cujo trabalho debruça-se sobre o imaginário, a ilusão ótica, o mistério. Provavelmente a história de Ratto é inspirada na litografia “drawing hands”, em que duas mãos desenham, simultaneamente, uma a outra. A esse, seguem-se outros contos misteriosos e intrigantes. Sempre com uma linguagem poética e intensa. Muito descritiva, bem marcada. Reflexo dos outros dotes artísticos de Gianni Ratto, que é, também, arquiteto, diretor teatral e cenógrafo.
Há também referência a outros artistas e obras. Amanda, por exemplo, conta a história de uma top model que, ao se perceber envelhecida, sai de cena estrategicamente e vive reclusa em sua mansão, alimentada por memórias de seus (ainda recentes) tempos de glamour e brilho. Pelo menos até que encontra em um artista plástico sua salvação: ele produz máscaras que a deixarão sempre bela, jovem, formosa… Podemos pensar em O retrato de Dorian Gray, obra-prima de Oscar Wilde, e Crepúsculo dos Deuses, excelente filme de Billy Wilder.
Mas o maior trunfo do livro de Ratto é a delicadeza e o lirismo, que permeiam todos os contos. Em A ilha, o autor aborda uma relação incestuosa entre pai e filha. Mas o conto é tão profundamente belo que não há espaço para julgamentos de caráter ou reflexões sobre a moralidade. É uma história escrita de forma sutil, encoberta por uma grossa camada de vidro colorido e retorcido.