Tristeza é uma coisa que pega. E demora a largar. Dependendo do tipo da tristeza e da personalidade de quem está com ela, o casamento é eterno. Daqueles em que um não larga do outro por dependência e costume. Há quem fique triste, simplesmente. E há quem se alimente de tristeza para viver. Quem seja feliz na tristeza. E uma coisa que combina com tristeza, além de uma propensão para atrair tragédias, é solidão. Daquelas ferozes.
Rita é triste e só. O casamento com a tristeza foi o único que deu certo. Os outros dois foram um fracasso. Não que ela tenha sentido ter culpa pelos fracassos. Mas pela tal propensão de atrair tragédias. A nuvem negra que paira sobre sua cabeça atinge a todos que a cercam, de uma forma ou de outra. Mesmo quando ela abandona o caos de São Paulo para morar na Paraíba, na praia. Está tudo ali, em Rita no pomar, de Rinaldo de Fernandes. Quem tem a tristeza como fonte de vida não se livra dela em lugar nenhum. Não adianta mudar de casa. A tristeza habita no único lugar em que não há reformas, demolições ou mudanças geográficas que dêem conta: na alma.
A alma de Rita é triste e solitária. O que há por trás da tristeza e da solidão da moça? Ora, não precisa ser psicólogo para saber que algo não está saudável. Parte da explicação para essa tristeza toda está lá no livro, e é claro que eu não vou ser daquelas que espalham spoilers por aí. Leia. Só não leia o posfácio antes, certo? Posfácio é para depois. Não diga que eu não avisei.
O livro é para ser lido de um fôlego só. É rápido, mas não é superficial. É simples, mas complexo. O leitor vai mergulhar na mente tristíssima e solitária de Rita. No Pomar, a praia que ela escolheu para fugir — de quê? —, ou em São Paulo. O pensamento da protagonista é embaralhado. Várias coisas passam pela cabeça dela ao mesmo tempo. E tudo fica ali, registrado. Fernandes usa duas formas de narrativa para que o leitor entenda Rita. Em uma, ele descreve os pensamentos da moça, da forma como eles vêem, embaralhados, confusos, divagantes, enquanto ela conversa com Pet, o cachorro confidente.
Fiquei atenta, imaginando um posto para mim, atendente, arrumadeira, eu topava qualquer coisa. Eu já tinha tomado a decisão — viajei durante dois dias, o ônibus duro — de dar um tempo de São Paulo. Passar uns meses numa praia, dava, eu tinha um resto de dinheiro, o Rex tinha morrido, ai, que tranco, e eu sempre… Pronto, Pet, você agora encontrou a melhor maneira de me ouvir, de olhos fechados! Ora, onde já se viu isso? Eu falando e você de olhos fechados!
Em outra, registra contos e diários de Rita.
8 de fevereiro
A primeira vez que visitei a Casa do Pomar… A noite estava fresca, o céu estrelado. Eu com uma lanterna. Andei pela vereda, muito mato nas margens, me aproximei. Perto do portão, um móvel arruinado ao pé de uma árvore. Estava decidida a entrar ali, não tenho medo de fantasmas, avisei ao Rômulo. Passei pelo portão, a madeira escura, entrei devagar, eu queria saber como era aquilo.
As lacunas são constantes no texto. Em ambas as formas narrativas. Não há, portanto, nada “fechado” neste livro. Tudo pode ser. Ou nada. Não há conclusões. Não fosse pela tristeza, não haveria sentimentos definitivos — nem pelos maridos, nem pela mãe, nem pelos cachorros. Dá para sentir que Rita carrega um grande peso nos ombros. A nuvem negra não a abandona. Pelo contrário: vai acompanhá-la para sempre. Provavelmente vai aumentar, até virar um buraco negro que sugará toda a tristeza a sua volta. E a sugará também.