Começo com uma confissão. Você não imagina, tolerante leitor, a admiração que carrego por todo ser, humano e alguns nem tanto, apaixonado pela linguística. Incluam-se aí todas as formas de linguísticas. Embora acredite que essa relação seja unilateral, mesmo assim admiro mais e mais a cada dia que passa, a cada leitura que concluo sobre o tema. Prometo estudar com mais afinco a matéria.
Os tempos atuais, reféns do Estado Islâmico, do Boko Haram, da anabolizada corrupção, também trazem surpresas agradáveis. Uma delas diz respeito ao interesse pelo pensamento de Émile Benveniste. Digo surpresa por se tratar de tema ao mesmo tempo instigante e maçante.
Dificilmente se fugirá do óbvio; assim que alguém cita Benveniste, o ouvinte logo faz a ligação com a linguística da enunciação. Benveniste é conhecido como fundador desse ramo da linguística. Porém, suas ideias não ficam restritas a essa área; abrangem, entre outras, a filosofia e a antropologia.
Últimas aulas no Collège de France aborda, em dezesseis encontros, os diferentes sistemas semiológicos e também a escrita.
Curioso leitor, prepare-se para uma leitura enriquecedora, mas que exigie grande fôlego e paciência. Acompanhar o raciocínio bastante complexo de Benveniste exige indispensável paixão pelo tema — a linguística, em última instância. Não foi à toa o que Julia Kristeva disse de Benveniste: “O homem que fez da linguagem o caminho de uma vida”.
Acompanhe, pois, por partes:
Nas primeiras sete aulas, Benveniste procura fazer a distinção entre semiótico e semântico. As aulas seguintes tratarão exclusivamente do estudo da escrita.
E, então, você pergunta: o que é semiótico? O que é semântico?
Semiótico: signos que integram um pacto convencional. Por exemplo: a forma sonora da palavra “pedra” é associada ao conceito de pedra. Vale ressaltar que esses signos obedecem a certo número de regras de disposição, de ordem, melhor dizendo.
Semântico: trata-se do discurso, do contexto de um diálogo, e encerra toda a dinâmica profunda da experiência subjetiva.
Espero ter esclarecido. Caso não tenha conseguido, leia, preste atenção devida às Últimas aulas do Collège de France. Garanto que não se arrependerá. Vamos à escola.
Os símbolos
No início, Benveniste já diz a que veio: não lhe interessa a origem da escrita. Está preocupado com os símbolos. De que maneira culturas diferentes simbolizaram a escrita. Em outras palavras, como a representaram graficamente.
Logo trata de apresentar maneiras de entender a escrita, sempre a partir da sua teoria geral (semiótico/semântico).
A teoria de Benveniste aponta dois aspectos da linguagem. Um deles apresenta a linguagem como uma reunião de enunciados, o outro traz a produção de enunciados resultantes do ato discursivo que cada locutor realiza no momento de sua fala.
Aqui vale lembrar o que disse o aluno de Ferdinand de Saussure, Antoine Meillet (1866-1936): “Toda língua expressa o necessário à sociedade da qual faz parte. Com qualquer sistema fonético, qualquer gramática, é possível expressar qualquer coisa”.
Calma, apressado leitor, também concordo que tem muito exagero nessas duas frases. Penso que o nobre linguista mistura língua e pensamento. E aqui poderíamos entrar na discussão: é pela linguagem que o pensamento se manifesta? Melhor evitarmos essa encruzilhada.
Voltemos a Benveniste. Regressemos às aulas no Collège de France.
A língua precisa se tornar imagem. Benveniste opera essa máquina e converte língua numa imagem da língua. O diálogo, o falante, o interlocutor, tudo se transforma em signos. Signos feitos à mão.
Numa outra aula, Benveniste toma outro caminho. Até então tratara da escrita como fenômeno, naquele momento aborda a escrita como operação e em suas denominações. Só existirá operação se esta for denominada. Eu avisei no início que o tema era complexo. Vejamos. Trata-se de um processo linguístico: o modo como uma língua nomeia aquilo que lhe permite ser expressa em forma de escrita. Fui claro?
Próximo ao final das aulas, naquele momento onde o aluno se preocupa, em primeiro lugar, com a velocidade dos ponteiros do relógio, Benveniste suspende o tempo com uma provocação: a escrita é uma forma secundária da fala.
A escrita se manifesta como uma forma secundária da fala na medida em que comporta as duas propriedades, semiótica e semântica, características do discurso, e apenas do discurso, ou só da expressão linguística, em face dos outros sistemas semiológicos.
Resumindo: a fala passa da audição à visão; a fala, auditiva, torna-se escrita, visual.
Fica claro que a escrita não poderia curto-circuitar a fala (a saber, expressar por meios inteiramente distintos, não homólogos à fala); ela deve “seguir” a fala, e isso de maneira óbvia, já que não é mais do que uma forma da fala.
Insistindo no resumo: a escrita é a forma utilizada para simbolizar a língua.
Você dirá que isso é óbvio e eu concordarei. Embora muitos ainda não saibam.
Últimas aulas no Collège de France é uma homenagem que presta a Saussure, fundador da semiologia. Benveniste se distancia das correntes linguísticas de seu tempo — estruturalismo, gramática gerativa — e justifica que é a partir da lógica da enunciação que se desenvolve essa capacidade humana enigmática, a significação.
Benveniste buscava associar à linguística tradicional, que tem por objeto o texto do enunciado, uma linguística da enunciação capaz de definir o campo de produção de sentidos, exigindo para isso uma análise dos elementos linguísticos — fonemas, palavras — ou regras-morfológicas, sintáticas.
Para finalizar: para este aprendiz, a aula foi magnífica.