Verdadeiro escafandrista do idioma, o professor, escritor, crítico e ensaísta Deonísio da Silva acaba de dar mais uma contribuição ao conhecimento de nossa tão aviltada língua portuguesa, ao mergulhar na intimidade das palavras. Buscando-lhe o sentido além da frieza das definições e conceitos sistemáticos, traz em A vida íntima das palavras mais que um manual de curiosidades sobre nosso léxico: é uma busca das raízes de nossas palavras, situando-as no tempo e no espaço, descobrindo-lhes seus nexos e suas virtudes.
Muito do que falamos não nos parece guardar relação com o que significam. A raiz escondida de muitos termos deixa de revelar preciosidades ancestrais e o trabalho de Deonísio (que tem se dedicado de corpo e alma a explorar os meandros da língua, como na sua coleção De onde vêm as palavras ou na coluna que assina na revista Caras) restaura o elo perdido entre o que falamos e a origem dos termos utilizados na comunicação contemporânea, que, com suas variantes, seus hibridismos, suas neologices e outras incorporações danosas, acabam por travestir o idioma, distanciando-o de suas origens. A língua portuguesa tem sido uma ilha perdida num oceano de monopólios estrangeiros, que vai crescendo por ascensão de outros termos ditados pelos novos usos e costumes ou enxertados a partir do colonialismo econômico e cultural.
As palavras, como os seres, têm sua descendência, contam uma história, não existem isoladamente. Estão atrelados a fatos, circunstâncias, momentos históricos. Assim, sua vida íntima — uma espécie de biografia hibernada — vem à tona com esses verbetes que mereceram paciente e cuidadoso trabalho de exegese. Aliás, uma verdadeira arqueologia lexical.
A vida íntima das palavras é resultado de uma bateia lançada em águas profundas por alguém que tem demonstrado estreita empatia com o seu idioma e uma relação carnal com as palavras, com respeito etimológico e a reverência que a Flor do Lacio merece, sobretudo nesse mundo globalizado e fetichizado, que acaba por levar ao escanteio o que não é falado em Nova York, Paris ou Londres.
Deonísio da Silva retira o manto burocrático da palavra dicionarizada para revelar suas sedutoras primícias e com isso nosso vocabulário passa a contar com um instrumento de apoio. Mais que isso, é um referencial importante para leitores, escritores, pesquisadores e todos que ainda pensam em português e travam uma batalha íntima para preservação da língua contra os peralvilhos do idioma, sobretudo os que não sabem o que estão falando e escrevem sobre o que não falam.