O jornalista e escritor mineiro Carlos Herculano Lopes acaba de lançar um precioso volume de contos: Coração aos pulos. Enfeixam a obra 40 contos (alguns de seus melhores trabalhos já publicados e outros inéditos), compondo um mosaico de ficções que resultam de seu habilidoso artesanato, em que está presente o universo social e humano, com suas histórias reais ou insólitas .
O autor captura a singeleza e banalidade dos pequenos acontecimentos provinciais e urbanos, ao mesmo tempo em que resgata o que há de surreal, pitoresco, inusitado e mítico na vida. Recorre, por meio de alusões, e com um tratamento literário sutil, a ocorrências ancestrais que povoam a memória, com toda intensidade dos referenciais do passado. Lança sobre eles um olhar lírico, em contraposição à tendência atual de uma prosa cosmopolita, fragmentária e pretensamente universal.
Em comunhão com a infância e suas invocações mais fortes, tange situações que habitam o imponderável, reconquistando aquele mundo paroquial encravado em nosso inconsciente e que ao criador é um constante desafio, provocado pela carga de tensão, psicologia, delicadeza e mistério. Seu senso de observação e sua criatividade caminham na direção da verdadeira universalidade, invocada por Tolstói, segundo ele alcançada quando cantamos o nosso quintal e a nossa aldeia. Assim é que os caminhos de Minas e de uma mítica Santa Marta delineiam o território em que pululam seus personagens.
Autor de obras antológicas como O sol nas paredes (1980), Memória da sede (1982), Sombras de julho (1991) e O último conhaque (2000), Carlos Herculano Lopes foi premiado em importantes concursos literários, entre eles Cidade de Belo Horizonte, Bienal Nestlè de Literatura e Guimarães Rosa , além de publicar nos principais suplementos literários do país. Dono de um estilo muito peculiar, escrevendo uma prosa diáfana, poética, concisa e particularmente identificada com os pequenos dramas domésticos e sociais, incursiona pela alma humana, mergulhando na força e dimensão dos sentimentos e problemas cruciais do indivíduo, com uma sensibilidade que busca uma reflexão sobre o hiatos existenciais, sem descer ao emaranhado de palavras inúteis.
Alguns contos são paradigmáticos da intensa relação do autor com esses dramas e vazios do ser, como em O homem, A descoberta, O limite, A aparência, O desafio e A revelação. No plano da construção formal, refletem também sua experiência com uma linguagem descarnada, sincera e seca, que marcou muito o comportamento de nossa geração, tão ávida por entender a condição humana e buscar um sentido e uma razão além da opacidade das relações.
O desapego aos modelos convencionais de narrativa encontrou em Carlos Herculano sua ressonância, cujo modo de elaboração guarda coerência com a própria crueza da realidade, pois sua representação se concretiza na objetividade e clareza das histórias curtas. Não admite truques ou maquiagens estilísticas no desvelar a vida como ela é. Não obstante as lutas e angústias de cada um, o autor consegue extrair lirismo e poesia das circunstâncias.
Coração aos pulos revela não só a opção do autor pela síntese e pela economia de meios, mas seu empenho na construção de uma prosa transcendente, simbólica e delimitadora de um espaço em que a realidade se nutre também de elementos oníricos. Impõe-se pelas imagens e signos invocados em textos curtos e ideais, que cumprem seu papel de nos comunicar um mundo imaterial e afetivo.
Mesmo em alguns contos mais longos (Estas lembranças, Caminhos de volta, Um brilho no escuro, Coração aos pulos e No embalo da rede, um dos textos mais pungentes do livro) está presente sua preocupação com a faxina na forma e no conteúdo, lembrando a dicção de mestres que adotaram o minimalismo ficcional, como Dalton Trevisan, Paulo Leminski e Evandro Affonso Ferreira.
Carlos Herculano Lopes, ao longo de sua vitoriosa carreira literária, confirma não apenas o talento versátil e o estilo singular, mas seu vínculo e compromisso com uma arte do mais alto padrão estético.